Carta do muro

A quem interessar possa,
Na esperança de orientar aqueles que por ventura resolverem participar da vida política do país, deixarei aqui registradas as minhas percepções sobre a mesma. Posso afirmar que a nação foi resumida a um campo estéril com um muro no meio. Os cidadãos estão divididos em três grupos: Ao lado direito estão os militantes de direita. No outro lado está a esquerda. O terceiro grupo é formado por pessoas como eu, que ficam em cima do muro; e por falar nisso, imaginem como a Muralha da China.
Os militantes dos dois lados vivem de modo semelhante. Cada qual idolatra sua liderança cegamente, enquanto critica os líderes adversários. Quando algum desses age, ambos os lados reagem, é claro, de maneira oposta. Ser militante se resume a apoiar seus iguais o tempo todo, e depreciar o outro lado todo o tempo. O pensamento crítico não vinga ali, mas a hipocrisia floresce que dá gosto. É comum vermos militantes condenarem idéias propostas pelos rivais, mas que seriam defendidas com entusiasmo caso partissem dos seus. Outro fenômeno diário por aqui é o arremesso de acusações por cima do muro. No arsenal encontramos fake news, teorias conspiratórias, memes, interpretações distorcidas, discursos ácidos, entre outros. Nesse fogo cruzado, eu mesmo já fui alvejado de raspão por um disparate.
Existem claro, alguns momentos de iluminação. Quando um militante consegue vencer a miopia ideológica e ver que em alguns assuntos a razão está com o lado oposto, esse só tem duas opções: Ou fica calado, e deixa seus companheiros pensarem que se cala por estar consentindo, ou fala enquanto foge para cima do muro, antes de ser pego pela patrulha. Há casos raros e extremos onde a pessoa simplesmente muda de lado, trocando seis por meia dúzia.
Militantes consideram que ficar em cima do muro é uma atitude covarde, egoísta e conveniente para quem não quer se envolver. Eles dizem: Desce do muro! Mas na verdade querem dizer: Escolha logo um lado para eu saber se você está comigo ou contra mim! Lá de baixo, rodeado apenas pelos seus iguais, eles não conseguem ver quão limitados estão. Daqui podemos observar ambos os lados e ponderar sobre os diferentes pontos de vista em relação a qualquer assunto. O preço para ficar aqui em cima é conviver com a inimizade dos que estão no chão. Mas afinal, onde deveríamos ficar para ampliar nossa visão?
Assinado: Cidadão de centro

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