O que nos dizem os ossos

Um olhar para trás é um grande professor. Como diz o Eclesiastes: não há nada de novo debaixo do sol. Serve a muitas interpretações. Uma: está tudo nos ossos. Nos ossos do comportamento, nos ossos da sociedade, nos ossos da evolução. Quer respostas? Olhe para o passado, como nascemos e nos formamos.
O paleantropólogo espanhol Fernando Rosas revira ossos de fósseis humanos. Diz que comer carne, dominar o fogo e inventar a palavra foram eventos fundamentais para a evolução humana.
Mas é outra afirmação sua que me chamou a atenção. A de que a colaboração dos machos humanos na criação dos filhos foi fundamental na evolução. Em suas palavras: “Os machos dos chimpanzés passam a vida lutando entre si e a criação depende mais das associações de fêmeas. Na evolução humana, a colaboração dos machos na criação dos filhos foi fundamental à medida que a evolução se tornava mais complexa. É esse ambiente social que permite a reprodução biossocial da prole.”
Segundo Rosas, é onde entra trambém a teoria da avó, na qual o fato de as mulheres viverem muito ainda após o período fértil ajudou a seleção natural, porque uma nova função aparece na evolução humana. Após a menopausa, as avós colaboram com as fêmeas mais jovens na educação, alimentação e proteção. O resultado é que somos uma espécie com uma incrível capacidade reprodutiva por causa dessa mistura entre a fisiologia pura e estratégia social. Estratégia de evolução e sobrevivência que passa pela colaboração entre as partes.
Enfim, chegamos tão longe também graças a pais presentes e às avós. A complexidade humana exigiu o desenvolvimento de relações familiares também complexas, o que acabou se tornando um êxito evolutivo.
E o que fez conosco estas relações afetivas entre o pai e os filhos, entre a avó e os netos em milhares e milhares de anos? Poderíamos dizer que a subtração deles de nossa vida pode nos fazer falta hoje em dia? A sociedade moderna, sem rosto e sem coração, parece dizer que estas antigas relações afetivas não seriam mais importantes.
Viemos daquele tempo de poucas escolhas. Era familia ou morte. Tribo ou morte. Clãs ou morte. Mas as coisas mudaram. Se não estamos contentes com a família, partimos. A sociedade está de tal forma organizada que nos recebe quase da mesma maneira. Conseguimos sobreviver e até progredir sem laços familiares. Não somos mais bandos. Somos cidades e países. Resta saber o que isso significa em nossa alma antiga e que carrega os ossos da nossa formação como gente; resta saber o que ocorre lá no fundo, no nosso imaginário, no que contruímos de humano, como bate a falta de afeições tão antigas.
Para mim, a saída do pai ou dos avós da formação de uma criança deixa lacunas. Muito de nossas alegrias, de nossa segurança emocional acaba por faltar e nos tornamos mais amargos, tristes e mais egoístas.
Por isso, acredito que discutir trabalho, emprego, previdência é discutir a nossa alma, nossa condição humana. Trabalho, para que pais possam ter a honra de criar sua prole. E previdência que não escanteie os velhos que a própria natureza quis vivos e úteis.
Escutar a música que nossos ossos cantam, os ossos antigos que puseram de pé os primeiros seres humanos, que nos sustentaram e nos trouxeram até aqui é fundamental .Uma juventude sadia precisa de educação, emprego e velhice protegida. A colaboração foi e é parceira da evolução.
Senão, vai ser isso daí que se está vendo.

Pedro Stiehl
Escritor

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