Quando falamos em movimentos sociais, em políticas de igualdade racial, em educação antirracista e outras práticas de combate ao racismo e preconceito racial, estamos nos referindo a uma longa caminhada histórica. Uma história escrita por muitas mãos, com ancestralidade latente, que nos dedicamos a documentar, proteger e resguardar. Em Montenegro no ano de 1983, na Escola Estadual Manoel de Sousa Moraes, acompanhamos o desenvolvimento de um projeto intitulado Kizomba, e podemos dizer que foi um dos precursores da lei 10.639, sancionada somente em 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura negra, e da lei 11.645, que inclui a história e cultura indígena nas escolas. A Kizomba tinha o intuito de contar a história e cultura do povo negro, de maneira respeitosa, garantindo dignidade e uma outra percepção sobre os afro-montenegrinos. Quem foi criança negra e frequentou a escola nesse periodo, sabe o quanto era sofrido somente ouvir história de escravos apanhando e morrendo de forma violenta e a repetida narrativa como se a única versão a ser contada fosse o período da escravidão.
Ser recebido em uma escola que tivessse outra percepção, que incentivava a criticidade, e desenvolvia políticas afirmativas para o povo negro era um alento. Ter a oportunidade de ouvir sobre a contribuição dos povos da diáspora africana, sua cultura milenar, sobre a contribuição do povo negro ao Brasil, é uma das minhas melhores lembranças da infância. Promover a educação antirracista, incentivar a branquitude crítica e desenvolver nas crianças consciência social constituiu seres humanos mais éticos, e mais humanos. O projeto Kizomba foi sonhado pela professora Maria Izabel e fomentado por todo corpo docente da escola, grandes professores que sabiam da contribuição que estavam oferecendo à cidade.
E antes que me perguntem porque remexer em uma história tão antiga, quero contar que esta trajetória a partir de hoje saiu da nossas lembranças e tornou-se fonte bibliográfica. A Academia, com seus mestres e doutores, presta reverência ao fazer destas professoras montenegrinas, desta instituição escolar, inspiração e modelo para práticas educativas.
História contada através do olhar do nobre professor, agora Mestre, Alexandre Ferraz da Conceição. Professor que dedica-se de longa data à pauta negra, contribuindo nas interlocuções entre escola e negritude. Ações como esta reforçam que mais do que resistência vemos a insistência em resistir na escola, a insistência dos professores em manter a Kizomba nos tornaram protagonistas sociais.
A insistência do Alexandre contar essa história nos dá ânimo nesta luta e a certeza que não seremos invisibilizados. Clamo aqui muitos Alexandres, por muitas Izabeis por muitas Rosauras, por muitas Elizabetes e por pessoas melhores do que já fomos. Asè!