Porongos

“Eu sou do sul, é só olhar para ver que eu sou do sul…”(Elton Saldanha), sempre quando lembro desta linda música, me pergunto se realmente sou do sul ou se somente nasci aqui. Se esta terra me representa, da maneira como gostaria de ser representada. Amo meu estado, gosto da cultura, mas, só em 2023, os Lanceiros Negros foram reconhecidos como heróis do povo gaúcho. E os questionadores questionarão: Qual é o problema com a Revolução Farroupilha? Negro não é gaúcho? O povo preto não se vê nas tradições gaúchas?

Então… deixa eu te contar uma história! O afro-gaúcho é um dos povos que mais se orgulha da sua origem, no entanto foram quase 200 anos depois do Massacre dos Porongos, que os Lanceiros Negros foram dignamente citados na história como Heróis e Heroínas da Pátria. Quando conferida uma homenagem, sancionada pelo governo do Brasil. Há alguns anos atrás fui procurada por um grupo tradicionalista que me solicitou um“Caminhão de negros para desfilar no evento da cidade”.

Respirei fundo, (pelo menos 200 vezes) e respondi que poderia assessorar a instituição, mas que não poderia me responsabilizar por “fazer parte do Movimento Tradicionalista”. E então recebi a resposta que a instituição “não tinha tempo para se organizar” e entendi que o pedido era para EU (Sociedade Floresta) organizar. A sutileza desta resposta demonstra a dificuldade das pessoas perceberem a importância da participação da população negra no movimento tradicionalista e o descaso pela história.

Era um claro incentivo do Movimento Tradicionalista Estadual em conectar a populção negra à história dos Lanceiros Negros e prestar a devida homengem a população preta, o que provavelmente foi invizibilizada na ocasião. Não é uma questão de“ter tempo hábil”, mas de ter vontade real de trazer a pauta antirracista.

A ação foi uma oportunidade de dar visibilidade à nossa identidade afro-gaúcha, trazendo do passado silenciado a sonoridade vivida para o presente. Temos ações no moviemento tradicionalista muito exitosas, como o Piquete Pêlo Escuro, em Porto Alegre ou o Grupo Tradicionalista Lanceiros Negros em Caxias do Sul. Temos também ilustres representantes como Cézar Passarinho, compositor nativista gaúcho. Na literatura tenho notícias do Livro Lanceirinhos Negros, escrito por Angela Xavier. E provavelmente existem outros grupos organizados no estado que fazem a sua parte, contando o protagonismo da população preta, e debatendo essa marca sentida através do racismo, manifestadas em violências e exclusão, até mesmo nas histórias infantis gaudérias.

Sabemos da necessidade de ressignificar o massacre dos Lanceiros Negros, em especial para toda a comunidade negra no território gaúcho. Cabe demarcar nossa territorialidade, promover a históricidade que seja respeitosa com o protagonismo negro e nos retire deste lugar às margens nas tradiçoes gaúchas. E então eu realmente me sentirei do Sul e será só olhar e ver.
Ubuntu!

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