Através dos tempos os cabelos foram sendo considerados uma tendência de moda, de manifestação cultural e de ancestralidade. Atualmente nossos cabelos afros naturais são cada vez mais vistos e “aceitos”, no entanto essa é uma realidade recente. E alguns vão perguntar: Como assim, se sempre vemos pessoas negras com “cabelos diferentes”? Então… deixa eu te contar uma história. As tranças têm sua origem na África, datada de antes de Cristo, mas com difícil precisão. A técnica é histórica, presente em diversas nações africanas e nos países com forte contribuição destes povos. Sua função era identificar tribos, estado civil, religião e até posição social. No Brasil há indicativos que era uma forma de comunicação, descrevendo inclusive, rotas de fuga de escravos. No entanto, com os processos cada vez mais selvagens de escravização, essa manifestação passou a ser proibida, sufocada e condenada. Este é o momento em que, como uma forma de acabar com as discriminação, somos incentivados a modificar os fios, e aproxima-los cada vez mais do padrão estético da branquitude.
A reação é imediata e a resposta organizada vem do movimento negro americano, com o Black is Beautiful. No Brasil na década de 70, surge o movimento ‘’Negro é lindo’’ e o black power, nome dado ao cabelo crespo afro sem alisamento, toma força. Só que mesmo com essa resistência sabemos do quanto até os dias atuais é emblemático usar cabelos afro naturais, o quanto ainda sofremos discriminação em ambientes de trabalho e o quanto a falta de respeito é impregnada nas pessoas. Um fato recorrente e significativo é que as pessoas esquecem que cabelos é parte do corpo e só pode ser tocado com consentimento, e não pode ser revisada, analisada e verificada como uma mercadoria. Outra questão são os questionamentos, e muitas das frases que escutamos são: Como tu consegue lavar? Como faz pra secar? Não é pesado? Como faz pra cuidar? Como se nossos cabelos fossem coisas de outro mundo, ou que para ser bonito fosse necessário “ser arrumado melhor’’ (Leia-se, modificado quimicamente.)
O movimento de transição capilar é o que chamamos de valorização da história e ancestralidade negra. Esse boom da naturalização dos cabelos crespos, afros, tranças , dreads entre outros são reflexos do abandono dos processos químicos impulsionados pela autopercepção de quem somos e como queremos ser percebidos. A transformação que estamos fazendo nos padrões estéticos visam valorizar a identidade e promover o empoderamento. Desfazendo a ideia negativa de que nosso cabelo é ruim, feio , além dos vários apelidos pejorativos tão conhecidos por todos. Iniciei meu processo pessoal de transição capilar a cerca de dois anos, com muita resistência. Por muitas achava que não ia conseguir porque acreditava “ gostar do que via’’.
Vi meu filho adolescente ter um posicionamento mais consciente que eu e achei talvez fosse um caminho a ser seguido. Sofri todos os conflitos, e agressões possíveis e desnecessárias. Ainda estou me encontrando nesse universo de mulher crespa, mas decidi que quero me reconhecer, que quero rever o cabelo que me privei por 36 anos, dos 45 anos que vivi. Se me arrependo de ter alisado o cabelo? Essa é uma resposta para outra coluna, pois tem muito ainda para ser dito. Asé