A morte de um guerreiro

Esta semana no cenário artístico nacional perdemos um grande nome: Milton Gonçalves. Mineiro, 88 anos, ator negro, pioneiro na dramaturgia brasileira, mais de sessenta anos em telenovelas, teatro e outras formas de manifestações artísticas. Referência em apoiar iniciativas de cunho racial e defensor do protagonismo negro em diversas estâncias. Em suas falas e entrevistas sempre se referiu à arte como forma de proteção. Segundo ele, a arte o fez vencer preconceitos e lutar pelo reconhecimento de outros negros. Milton, como muitos, sentiu a necessidade de fazer militância política, na intenção de deixar um legado social. Descrito por amigos próximos como afetivo, incentivador, à frente de seu tempo e guerreiro como poucos. A ancestralidade negra, pode ser entendida como “construção social e histórica’’ e é tão importante pois é uma forma de representar-se a si próprio e questionar o futuro. Estamos falando de um homem que é uma manifestação icônica de ancestralidade.

Que além de falar de pessoas comuns, ocupou seu lugar de fala e foi reverenciado, incentivando a maior participação de atores negros no meio televisivo. Os meios de comunicação têm uma ação significativa ajudando a moldar a nossa identidade e colocá-la em nosso próprio tempo, como pessoa. A arte colabora com a representação que temos de um povo e nos ver em atores, nos faz sonhar em construir uma outra realidade.

Sabemos que as representações negras nem sempre são adequadas, ou da forma como gostaríamos, mas precisamos de pessoas como ele. O Grupo de Teatro Renascença, expoente do teatro montenegrino, vem retratando a cultura negra em seus espetáculos e nesta última temporada trouxe o empoderamento da mulher negra através de suas raízes. A modelo e atriz Joseane Azeredo, grita em alto e bom tom a sua negritude, a sua ancestralidade e faz menção a todas as referências negras.

Com toda certeza, Milton, é referência para Renascença, Fundarte e tantos outros grupos artísticos do município. Se fez presente em diversos palcos e mesmo em situações hostis, não deixou de questionar. A história conta que seu primeiro papel foi como um rei, mas que para fazer o papel precisou ser pintado de branco, pois não existiam “reis negros”. Seu último trabalho encantou o Brasil na noite de Natal, interpretando um avô, da família negra e protagonista. Resposta a sua insistência em pedir respeito, dignidade e representatividade do povo negro. Assim como muitos de nós, lutou com a falta de perspectivas, foi combativo em espaços políticos, teatros, nas ruas e na sociedade brasileira.

Seu legado será contado por longos anos, sua história marco de representatividade e seus pensamentos expressão de papel de fala. Eu e Milton temos um sonho em comum: ter um presidente da república negro no Brasil. Podem nos chamar de seres ideológicos, mas eu e o Milton (deduzo eu) chamaremos de coragem. Vá em paz e saiba que seguiremos tuas recomendações, que é sempre questionar, mesmo quando estivermos em desvantagem. Asé.

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