Prioridades

Em 2012 tive a oportunidade de conhecer a capital federal. Brasília é impressionante, imponente e exagerada em tudo. Gabinetes demais, gente demais, protocolos demais. Incrivelmente, Brasília não parece estar no Brasil. Não representa o que somos, nem nossas origens, tampouco nossa complexa organização social. Certo dia, bem feliz eu estava no Senado, próximo ao salão onde ocorriam as sessões. Todo feliz, fui me dirigindo ao local quando fui barrado por um segurança educadíssimo e prestativo que me disse: “O senhor não pode entrar aqui sem gravata”. Interessante que eu estava de calça jeans, sapato, camisa e blazer. Longe de um desleixado, né? Enfim, não foi desta vez. Regras são regras.

Lembrei deste caso ao ver a discussão na Câmara de Porto Alegre, depois que o vereador Valter Nagelstein chamou a atenção da colega Karen Santos, porque ela trajava uma camiseta do Malcolm X. Tá bem vereador, normas são para serem seguidas. O artigo 216 do regimento interno do Legislativo porto-alegrense estabelece que os edis devem comparecer às sessões com traje passeio completo. Para homens é simples, terno e gravata. Só que para mulheres é um pouco mais complexo, sujeito a interpretações variadas.

Porto Alegre enfrenta uma grave crise econômica. O salário dos servidores pode atrasar. Fornecedores estão com pagamentos suspensos. O prefeito recém-empossado repete, com razão, que é preciso estabelecer prioridades. É assim na casa da gente, não é? Se o orçamento aperta, cortamos o que não for de extrema necessidade. Abrimos mão de um pouco de lazer, da tv por assinatura, do jantar do fim de semana na restaurante favorito. O foco está na alimentação, saúde, educação e segurança. Isso não pode faltar. Em casa e na cidade.

Difícil, portanto, entender que em meio a tantas coisas mais importantes, os legisladores da capital não tenham preocupações maiores que a camiseta de uma parlamentar. Que perderam minutos preciosos por um motivo tão estúpido. Também é difícil até hoje entender que Calheiros, Sarney e afins têm passe livre em um lugar onde um cidadão é barrado simplesmente por não ter um acessório do vestuário. O homem é ele e suas circunstâncias, disse Ortega y Gasset. O Brasil é ele e suas contradições.

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