Dia desses, conversando com o Odyr Dupont, o Peninha, ouvi uma coisa que me deixou inquieto. Esse é o lado ruim de conversar com pessoas inteligentes: elas nos deixam perturbados. O Peninha é meio gênio/meio doido, por isso nos damos bem, embora eu seja apenas meio doido. Ele enxerga fora da caixa e, às vezes, nem a caixa vê, só o que está no entorno. Só o que os outros não notam. Mas disse-me o Peninha, em meio a uma conversa sobre o patrimônio histórico, que “só nos restam o rio e o morro São João, se bem que não sei como alguém ainda não derrubou”. MAS É ISSO!
Como ninguém pensou nisso antes? O rio é mais difícil, é verdade, mas o morro deveria já ter seguido a sina de destruir as “coisas velhas” da cidade. Vamos lá, pensemos. O morro fica em uma área central e grande o suficiente para fazermos um conjunto de caixas quadradas que deixariam Dubai no chinelo. Ou então uma. Apenas uma caixona quadradona em um prédio a ser visto de todo o vale. Poderia abrigar Shopping Center. Um complexo residencial e comercial conjunto, que agora é “trend”. Enfim, a cidade das artes seria também “a cidade quadrada”. Se estamos indo para esse caminho, por que não o morro, minha gente de cabeça fechada?
Como ninguém pensou nisso antes? Montenegro é mesmo a cidade do atraso. Precisamos de “insights”, “brainstorms”. Já nos livramos do Frigorífico Renner, aquele gigante fantasma do tempo do pão com banha (literalmente); já derrubamos o prédio da antiga biblioteca, e uma a uma, outras casas velhas que nos remetem ao passado. Que contam a nossa história. Como diria Dona Armênia, “na schon”.
Pensando bem, o morro já está sendo derrubado aos poucos. Os montenegrinos nem têm acesso. Não podem contemplar a cidade lá do alto. A “grande caixa” poderia abrigar um mirante, e, é claro, as antenas que hoje são a última razão de alguma preocupação com o gigante adormecido. Se a lenda fosse verdadeira, estaria ele chorando em sofreguidão. Faremos, pois, apenas a eutanásia, atendendo o seu apelo. Chega. Abreviaremos sua dor. Então, o próximo passo poderia ser o velho Caí, cuja saúde também vai de mal a pior. Aos nossos olhos. Na nossa cara. Aí, sim, Peninha, só nos restarão as lembranças. Soterradas pelas caixas da modernidade.