Uma vez, desenhei uma mesa com recorte sinuoso que permitia acomodação várias pessoas formando uma democrática ilha de trabalho. Chefe e colaboradores em constante interação.
O desenho contemplava espaço para reuniões rápidas, bastando deslocar um pouco as cadeiras para o “espaço de todos”. Havia os nichos particulares, os espaços de cada um. Mas o “espaço de todos” era a essência democrática da mesa, na minha inocente concepção.
Aos poucos, o espaço democrático começou a ser ocupado por rascunhos, catálogos e materiais de pesquisa dos trabalhos finalizados. A correria do dia a dia ia fazendo com que o descarte e a organização dos materiais fossem sendo protelados, acumulando um depósito na área de todos. Ela começava a se tornar a “área de ninguém”. Até materiais meus estavam ali.
Fiquei incomodado. Como eu mesmo burlava uma proposta em que acreditava e que parecia óbvia?
Transportando esta percepção para a sociedade, conseguimos entender atitudes como depredações, lixo nas ruas, apropriações do que é público e corrupção. Está tudo na raiz do “é de todos, então é de ninguém”.
Nesta semana, as polêmicas da nossa micromegalópole são o sucateamento de máquinas e o aumento das despesas com a folha de pagamento do município por conta de decisões passadas.
De um lado, há os que defendem a contratação de empréstimo para compra urgente de novas máquinas, tão necessárias às obras, transporte e manutenção das vias. De outro, os que acham o endividamento uma irresponsabilidade e engrossam seus argumentos citando o incremento populista e mal calculado de salários de servidores. Com o aumento das despesas, desde então, daria para comprar as máquinas à vista.
Nas páginas desse jornal, vemos imagens deprimentes de equipamentos escangalhados, falta de manutenção, tranqueira burocrática. No passado, acusações de desvios de peças, compra de máquinas que não funcionavam, mau uso e outras bandalheiras.
Novamente, o que é de todos é de ninguém e, se é de ninguém, pode ser meu ou ser desperdiçado. Basta ser oportunista ou irresponsável.
É repetitivo, chato e clichê dizer que só vemos estes problemas quando se tornam escândalos públicos com números grandes, e quando são com os outros, mas que no dia a dia cometemos micro atitudes iguais em essência porém “inocentes”. É o estacionar em fila dupla na frente da escola do filho, é o deixar o carrinho do supermercado na vaga de carro ao lado, é usar a vaga especial por comodidade… “São coisas do dia a dia, quando eu estiver em uma posição importante, farei direito.” E assim vamos empurrando o certo e o direito para aquele ponto democrático da mesa. Então, o direito e o certo viram uma pilha de lixo incômoda. E o que incomoda deve ser descartado.