“Agora será minha vez!” é o pensamento que vem quando estou com o bilhete da Loto ou a cartela do Tri Legal na mão. Jogar na loteria é uma irracionalidade econômica, mas dá um chute na bunda da fé, empurrando-a um pouco para a frente. É como tomar uma cerveja no meio daquela tarde cheia de pepinos. Os problemas não irão se resolver, provavelmente até irão piorar, mas é a dose controlada de insanidade para manter a sanidade.
A fé é este sentimento irracional de que tudo vai dar certo, apesar da ausência completa de evidências. Somos descendentes dos primatas que deram o passo de fé rumo ao desconhecido. Claro, a fome deu seu empurrãozinho. Os esqueletinhos que os cientistas encontram encolhidos em fundos de cavernas são dos australopitecus sem fé.
Deliciosamente atirar-se ao acaso, a essa coisa enorme que é a vida, o universo, o caos e o destino.
Nos atiramos num precipício achando que, por ele ser tão imenso, não vai nos notar e será razoavelmente gentil com nosso tombo. Viu? Aquela formiga caiu da mesa e saiu andando!
Ao mesmo tempo, pedimos coisas ao destino e ao universo. Eu não! Prefiro ficar quieto e não chamar a atenção de monstros imprevisíveis. “Mas você faz parte dele, se você o amar ele o amará de volta.” Às vezes, é tanto amor do universo que vem como tsunami, terremoto ou desmoronamento. Outras vezes é um amor mais visceral, como uma doença degenerativa, ou aquele amor morno que mata devagar com tédio, delírios e decrepitude. Vai entender amor de monstro imprevisível, né? Mas tenha fé.
Como em média e na maior parte do tempo estamos bem, com saúde, tocando a vida sem grandes percalços, tendemos a crer que amanhã e depois tudo seguirá assim. Mesmo quem está no perrengue observa outras vidas que estão dando certo. Não há evidência futura para a fé, mas há um histórico de passado ou exemplo aceitável que empresta a ela algum crédito. Um dia, tudo desmorona. Se fôssemos friamente racionais, pensaríamos: “Puxa! Acabou meu período de estabilidade, há grande probabilidade de ser definitivamente o fim de tudo.” Mas aí vem a fé, que soube se acumular e nunca se jogou em precipícios, e segura o desespero.
Quem será o próximo milionário? Eu? Quem será a próxima estrela, o mais famoso, o super influenciador? Eu? “Dinheiro… mulheres… iates…” Como sonharia o Pica-Pau.
É muito mais produtivo ser esperto como a fé: concentrar-se no progresso gradativo, acumular-se, fortalecer-se, criar bases. Nesse tempo todo, a fé estava dando um exemplo de conduta, e nós a seguindo cegamente.