“A vida é como uma ponte, atravesse-a, não construa uma casa nela.”
Provérbio hindu
Despedidas sempre têm um quê de velório, qualquer uma que mereça abraço, explicação, minidiscurso, reflexão. Não falo daquela despedida de quem vai voltar para a janta, ou na próxima semana; falo da despedida que talvez, e muito provavelmente, não terá um “que bom te ver de novo”.
Despedir-se é a punhalada de misericórdia em uma situação que estrebuchava. Dói em quem a recebe e em quem a desfere. “Des-ferir”, quem está indo, se fere, mas busca acabar com uma dor bem maior. Na maioria das vezes, fazer o curativo é fazer doer a ferida.
Despedida também é renascimento, um novo emprego, uma nova vida, novos amigos, relacionamento… Mas até que estejamos imersos na nova realidade, fica um luto interno, aquela fitinha preta na alma.
Estamos nos despedindo de mais um ano, ficamos reflexivos, avaliamos o que deu certo e arrependemos erros. Aprendemos, superamos, fazemos planos a cada 365 dias como se não morressem os dias, todos os dias. A reflexão que achamos que vale a pena não é a que lamenta a morte das últimas 24 horas, mas a que se espanta com o genocídio dos dias acumulados. Não aguentamos um velório por dia, preferimos um grande e emotivo sepultamento de 365 corpos enfileirados.
E, logo depois, a grande festa de nascimento dos novos futuros cadáveres.
Que seres estranhos somos! Com consciência da finitude e das leis do universo, e com profundo medo do que essa consciência revela. Gostamos de ver nascer, entendemos que é preciso morrer, mas quando o pensamento projeta nosso corpo na cova, queremos algum tipo de vida eterna. Gosto de conversar com o tempo, ele é eterno e morre a cada segundo.
Eu sei que você esperava uma crônica de fim de ano mais “pra cima”, abundante de desejos dourados e muita fé nas entrelinhas. Mas eu sou esse tipo de chato, sempre tentando impedir o sonho de virar delírio.
Somos feitos de sonhos e fé, de realidades e decepções, e a beleza se faz dessa mistura de tons. Às vezes, quando por força do hábito e gentileza, desejo “tudo de bom”, “muitas felicidades” em aniversários e datas comemorativas, me sinto um pouco desonesto, mentiroso até. Secretamente estou desejando alguma dose de perrengue e decepção, porque sei que é isso que forja os bons. Mas deixar explícito isso vai espalhar muito rápido minha chatice e ainda quero ser convidado para aniversários.
Dito isso, me despeço desse ano esperando que o próximo nos traga de tudo um pouco, como sempre tem sido. O que suportarmos será carregado e nos tornará melhores. E como só posso desejar sem delírio sobre aquilo que tenho algum controle, desejo que todas as experiências e sabedoria acumuladas não sejam esquecidas, pois é por elas que os dias morrem.