O viajante cansado não tinha muitas alternativas. No caminho até Attica já dormira ao relento, em estalagens baratas e dividira leito com cabras. Chegar à capital era viagem dura e incerta, não fosse seu aspecto miserável e sujo, já teria sido assaltado e morto pelos vagantes..
Soube que nas altas colinas de Attica havia um homem caridoso, que possuía uma cama para viajantes cansados, disseram-lhe para procurar por Damastes.
Damastes alertou que sua cama era pequena, avaliando o tamanho do viajante, mas que era confortável e que ficaria feliz se fosse ocupada por aquela alma cansada.
Para quem já havia dormido com cabras e usara pedras como travesseiros, uma cama na qual não coubesse era um conforto além do esperado.
O cansaço dá bom sono, a proteção de um teto deixa Morpheus mais seguro para levar seus súditos ao mundo de sonhos. Mas deuses e semi deuses têm seus brinquedos favoritos entre os humanos, e ninguém adormece incólume naquelas altas colinas de Attica.
Angustiado, o viajante acorda, sentindo-se preso. A princípio parece um pesadelo mas no primeiro corte percebe-se na armadilha. O gentil Damastes agora apresenta-se como Procusto, aquele que não tolera os que não cabem.
“Se você se destacar, cortarei seus pés. Se você demonstrar ser maior que eu, cortarei sua cabeça” recita Procusto enquanto serra os pés do viajante, que agoniza no silêncio distante e cúmplice das colinas.
No final, está, perfeitamente adequado, o corpo, sem pés e sem cabeça, exato no tamanho da cama.
Aos viajantes menores, Procusto os contempla com o estirar de cordas, até que suas juntas se desloquem, seus ossos se partam e fique, o corpo, harmonicamente adequado às suas camas.
Sim. Secretamente Procusto tem duas camas, uma menor e outra maior, assim deleita-se com estirar ou cortar de corpos, de acordo com sua inspiração.
“O leito de Procusto” é uma lenda grega que remete à intolerância e ao ajuste que impomos aos outros à nossa matriz, fazendo tudo caber nas camas de nossas crenças. Todos que se destacam, tudo que sobra ou vai além, cortamos. Tudo que é menor, esticamos, desconjuntamos e forçamos caber.
Quanto mais leio os antigos gregos, mais admiro sua sabedoria. Eram só homens sem Google, sem computadores, que se dedicaram a observar e refletir sobre os comportamentos humanos. Eles viram todas nossas mazelas e heroísmos e as transformaram em histórias de deuses, semi deuses e homens.
Procusto foi descoberto e morto, da mesma forma como matava seus hóspedes, por Teseu, o semi deus herói que matou o Minotauro.
As histórias e lições ficaram no passado, para quem as quiser ler. Os deuses e semi deuses se foram, ficamos nós os humanos, fazendo as mesmas merdas e dormindo nas mesmas camas.