Bom dia! você responde, semi sorridente. Mas, secretamente, e para não constranger, pensa para si: “O que terá de bom mais esse maldito dia para me oferecer? O que terei, maldito eu, para oferecer a mais esse dia?” Às vezes, ou muitas vezes, acordamos com esse sentimento. Arrisco dizer que assim é a maioria dos dias para a maioria das pessoas. Insistentemente ou mecanicamente, acordam e dão seus bons dias e respondem outros bons dias, esperando encontrar um que possa chamar, verdadeiramente, de bom.
Um garimpo diário em busca de uma pequena porção de ouro entre pedras e lama.
Uns dizem que ligaram o “F***-se!” e expõem seus sorrisos e gestos libertados das convenções enquanto escrolam a tela sem fundo das redes sociais, numa solidão digital onde, se não estiver a fim, não tem que digitar “Bom dia”. Aquela sensação confortável, de observar o mundo através de uma caverna segura e escura.
Quem tem faro aguçado sente que há algo se decompondo. Precisaria ser feita uma limpeza, mas como ninguém começa…
Tem dias que o bom mesmo seria o botão “Exploda-se!” , que nos daria o prazer de ver tudo ruir enquanto tomamos um bom café.
Sentimentos cultivados na crescente desesperança, regados com bandalheiras e falta de compromisso. Crescem no oportunismo que vêm de cima, na ignorância que vem de baixo, na apatia que vem de dentro.
Nas entrelinhas dos nossos “bons dias!”, “como vais?” e “tudo bens!?” há tanta coisa sendo escrita, e não lida. E apesar de sabermos que dias inteiros bons são raridades, apesar de sabermos que momentos efêmeros bons são mais viáveis, perseguimos cegos os grandes dias. Dons Quixotes em busca da glória delirante.
Desprezamos os momentos porque não merecemos menos que dias bons, dias inteiros, fartos de ouro, prazer e felicidade. Caçamos esses dias míticos esmagando os momentos que florescem no caminho.
É a grande luta e o grande sucesso para os quais somos destinados.
Então, num “belo dia” acordamos decididos a garimpar sem descartar as minúsculas pepitas. Fincamos os pés no barro, fazemos barreira ao caudal de egoísmos, traumas, ódios e outras humanidades. Após inúmeros esforços, inspecionamos nossa peneira, em busca de algum brilho para compartilhar. Não há nada além de lama e pedras, estamos cansados e sujos. Amanhã tentaremos de novo, enquanto houver esperança que dê lastro às pernas e braços.
Por hoje, damos “Bom dia!” Tem dias que é tudo que temos para dar.