Não é (só) brincadeira

Pega-pega, pique-esconde, bola, balão, peão… Essas e tantas outras brincadeiras nos remetem imediatamente a uma infância nas ruas das vilas ou nos parques municipais. Privilégio de quem viveu tempos tranquilos em pequenas cidades. Infâncias que foram muito ricas – mesmo àqueles que não tinham tanto dinheiro assim – e cheias de memórias irretocáveis. As brincadeiras de criança, que parecem ter ficado apenas no passado, na verdade ajudaram a formatar o caráter dos adultos de hoje. Os jogos e toda aquela agitação para decidir quem jogaria em que posição no campinho; as discussões sobre a figurinha que virou no bafo ou sobre a pedrinha que caiu exatamente em cima da risca na amarelinha. Tudo isso nos ajudou a criar o senso de argumentação, justiça e a lutar pelo que acreditávamos.

Brincar não é futilidade. É algo sério e fundamental ao desenvolvimento saudável. Embora não seja um instrumento de ensino formal, a brincadeira contribui para o desenvolvimento cognitivo, motor, para a sociabilização e para que a criança crie noções importantes para toda a vida, como ganhar e perder, quantidades, cores, texturas e tantas outras habilidades. Se engana quem pensa que essa infância, que é doce de tão especial, ficou apenas na memória dos mais velhos. Há, sim, crianças cheias de energia e criatividade por aí, que rejeitam as telas em troca de momentos ao ar livre. E que bom!

Mas não podemos fechar os olhos. Embora tudo isso seja parte de uma infância ideal, essa não é, infelizmente, a realidade de todas as crianças. Dados da Unicef apontam que o trabalho infantil aumentou pela primeira vez em duas décadas. Já são 160 milhões de crianças e adolescentes no mundo e, além deles, mais 8,9 milhões correm o risco de ingressar no trabalho infantil no mundo até 2022. Somente no Brasil são 1,7 milhão. Esse é o resultado de uma crise econômica grave, potencializada pela pandemia da Covid-19. Quando falamos em trabalho infantil, não se trata de programas como menor aprendiz, ou daquela criança que vende brigadeiro para comprar um brinquedo novo. São pequenos que pulam essa fase tão importante das brincadeiras para ficar de sol a sol no sinal vendendo balas ou trabalhando clandestinamente em empresas, sob regime análogo à escravidão; tudo isso porque precisam levar comida para casa. Cabe a nós, enquanto sociedade, garantir que essas crianças não tenham suas infâncias roubadas e possam criar memórias tão doces quanto as que temos desse período tão lindo e mágico, que ocorre apenas uma vez.

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