Me formei em Medicina em 1967. Testemunhei uma gigantesca evolução científica e tecnológica, e também mudanças de atitudes e comportamentos. Vivi a alegria e um certo sentimento de vitória em casos em que minha intervenção deve ter sido decisiva . Mas vivi também o sentimento de fracasso ou derrota, frente ao insucesso na cura ou no alivio do sofrimento. Como se pudesse ser até mesmo uma culpa pessoal.
Muitas doenças tem o que se chama de uma história natural. Uma certa previsibilidade na evolução ou no desfecho. Mas o sofrimento que causam nunca será igual em dois pacientes. Nunca será previsível.
Esta individualidade no sentir e no reagir, nos faz diferentes e únicos, na alegria, na vitória ou na conquista, mas também na dor, na doença ou frente à morte. Por isto, mais importante do que tratar a doença que o paciente tem, é tratar o paciente que tem a doença.
Também é diferente para cada pessoa é sua forma de reagir frente à iminente e inevitável previsão de morte. Uns quererão ser informados de sua real situação, mesmo que desfavorável, entre outros motivos, para tomarem decisões ou encaminhar providências diversas. Outros, ao contrário, não tem a mínima estrutura emocional para lidar com a idéia de morte próxima. Como distinguir uns de outros? Como e quando comunicar ao paciente sua real situação? Ou quando optar pela “mentira piedosa”?
Durante muito tempo de minha atuação profissional, a conduta dos médicos e familiares era sempre a de omitir a verdade ao paciente. Por vários motivos. De modo geral, o mundo ocidental lida muito mal com a morte. Mas também porque os médicos eram muito mal preparados para lidar com situações tão delicadas. Éramos treinados apenas para diagnosticar e tratar doenças, buscando até o limite a vitória sobre a morte. Fomos bem menos treinados para os aspectos emocionais, religiosos, éticos, filosóficos, etc… Também o conhecimento das doenças era muito menor, e muitos dos fantásticos recursos de diagnóstico e tratamento de hoje, sequer existiam. Especialmente em doenças como o câncer, equivalia a uma sentença de morte, sem o valioso contraponto da esperança.
A situação começou a mudar, principalmente a partir dos Estados Unidos. Processos houveram contra médicos, por omitirem de pacientes informações de sua real situação, impedindo-os por isto de tomarem importantes decisões. A reação a isto foi ao outro extremo, de uma seca objetividade, em que se passou a informar clara e friamente o desfavorável prognóstico. E se alguém por isto entrasse em pânico e desespero, que procurasse um psiquiatra.
E como estamos hoje? Como lidamos com situações tão delicadas? Com certeza, a Ciência tem hoje muito mais recursos a oferecer. Doenças como o câncer nem de longe estão associadas a uma morte quase certa. Poucos são os pacientes que desconhecem seu diagnóstico, e que por isto entrem em pânico ou se desesperem. Simplesmente porque tem a seu favor o poderoso antídoto da esperança. Talvez tratamento nenhum seja tão terapêutico quanto a fé e a esperança.
Talvez tenhamos atingido um relativo equilíbrio, agindo com respeito à individualidade dos pacientes, sem faltar com a verdade, com senso de oportunidade e dosagem na informação. Não faltando com a verdade, mas sem ir além do necessário para cada momento.
Frente a um prognóstico desfavorável, além de exames, intervenções e tratamentos poderosos, que não falte nunca aos médicos e profissionais da saúde, generosas doses de interesse, empatia e carinho. Por contraditório que pareça, talvez sejam os mais ricos momentos de comunhão entre um paciente e seu médico.
Grande abraço.