Coerência e justiça

Nos meus tempos de Ginásio e Científico no Colégio Gonzaga de Pelotas (Ah, sempre as coisas do passado), os recursos pedagógicos, se comparados com os hoje disponíveis em qualquer sala de aula, eram bastante precários. Giz e quadro negro, voz, olhar e gestual do professor, era quase só isto que se tinha. Mas estudávamos latim, francês, inglês e espanhol. E tive o privilégio de estudar Filosofia, ainda que por um ano apenas, tendo como professor o então jovem Padre Jayme Chemello, que anos depois veio a ser Arcebispo da Arquidiocese.

Por que começo com esta introdução? Simplesmente para destacar como isto me fez bem. Para a vida toda. Porque deu os rudimentos da importância de pensar, com lógica e coerência , espírito crítico e racionalidade. Quantos, pela falta destes fundamentos, não aceitam passivamente qualquer baboseira que lhes seja dita?

Com uns poucos exemplos, pretendo mostrar como por vezes é difícil ter uma opinião sensata e ponderada. Há pouco o Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, emitiu uma opinião que logo causou grande polêmica. Disse achar injusto e imoral a aplicação da dose de reforço da vacina contra a Covid, quando em muitos países, ou num continente inteiro como a África, nem 08 % tinham feito sequer a primeira dose. Do ponto de vista individual as pessoas devem buscar a imunidade máxima possível. Mas do ponto de vista global, universal, podemos condenar Adhanom por seu posicionamento? Imunidade total para os mais ricos ou desenvolvidos, ou uma imunidade parcial para muitos, ou para todos? Questão que faz pensar e não vou dar opinião. Não por ficar no muro. Mas talvez porque meu único ano de Filosofia tenha sido insuficiente para responder a muitas perguntas que a vida já me colocou. O que é coerente? O que é justo?

Outro exemplo. O atualmente em evidência mais caro remédio do mundo. Chama-se Zolgensma, uma terapia gênetica inédita fabricada pelo laboratório Novartis, e que custa nos Estados Unidos US$ 2,125 milhões, ou cerca de R$ 12 milhões no Brasil. Indicado para tratar Atrofia Muscular Espinhal (AME ), uma rara doença genética degenerativa que pode causar a morte precoce de seus portadores. Eis um problema, ético e jurídico, sobre o qual não cabem opiniões superficiais. Dirão muitos que a vida não tem preço, e não tem. Mas pode ter custo, suficiente para quebrar uma operadora de saúde de pequeno ou médio porte, ou deixar de atender na saúde pública milhares de casos e pacientes. O que é coerente? O que é justo?

Muitos dos que se posicionam a favor de usar milhões de uma coletividade para um único caso, o fazem no pressuposto de que, como escrevi antes, a vida não tem preço. E aqui vou fazer uma provocação, em que me arrisco ser mal interpretado, ou não merecer a concordância de quem me lê. Muitos dos que são a favor de tudo fazer para salvar uma única vida, não são os mesmos ativistas que participam de uma passeata a favor do aborto, argumentando que a mulher tem direitos absolutos sobre seu corpo? O que é coerente? O que é justo?

Vou para um exemplo muito mais leve. Muitos de nós somos ao mesmo tempo empregados ou funcionários, e empregadores. Quando reivindicamos um aumento de salário nos nossos contracheques, tomamos a iniciativa de conceder o mesmo reajuste, e no mesmo tempo, ao nosso funcionário? O que é coerente? O que é justo?
São apenas algumas questões de difícil resposta. Não fosse por D. Jayme, quem pela primeira vez me mostrou a importância de pensar e fazer perguntas, talvez eu tivesse hoje muito mais falsas certezas. Pensem também. Faz bem.
Grande abraço.

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