– Como tá o tempo aí, meu bem? Ainda chove muito? E o teu estômago? Tô preocupado com essa alimentação tão diferente, carregada de temperos fortes e pimenta! Se cuida, por favor!
– Tô um pouco melhor, amor. A dor e o mal estar no estômago desencadeou pra enxaqueca. Mas tomei um Naramig e dormi. Graças a Deus eu trouxe esse medicamento! Já não sei mais aonde encontrar alguma opção de alimentação que não tenha o mesmo gosto e esse excesso de pimenta. Passei por uma banquinha que vendia maçãs, mas as frutas daqui possuem uma consistência muito diferente das nossas aí no Brasil. São porosas e secas. O mamão aqui é muito estranho! A única fruta que mais ou menos se assemelha com as nossas é a banana, mas bem difícil de encontrar. Deve ter a ver com a má qualidade do solo de plantio e com a água deles. Água é o que não falta aqui em Kathmandu, mas é tudo muito pobre e precário. Vou te mandar umas fotos que fiz das crianças com as quais estou trabalhando em sala de aula. É incrível como são alegres e, mesmo diante de tanta precariedade conseguem se manter com os olhinhos fazendo festa sempre que me veem! É preciso mesmo estar aqui, meu bem, pra gente ter uma real noção do tamanho das diferenças sociais mundo. Eu já visitei outros países com PIBs praticamente inexpressivos, mas estou impactada com a realidade do Nepal. A comida servida às crianças na escola, amor, é de dar dó! E nós, professores, na escola comemos o mesmo prato. Devo ter emagrecido uns dois quilos nesses primeiros dias.
E assim seguiu a conversa entre o casal. Ele no Brasil, RS, na cidade de Montenegro, ela no Nepal, nove horas de diferença no fuso horário, desenvolvendo um trabalho voluntário com crianças de um aos quatro anos de idade, numa das escolas públicas mais populosas da capital Kathmandu. Lá chovia intensamente quase todos os dias e a temperatura oscilava entre os 22 e os 27°C . Ela levava cerca de 40 minutos, a pé, em deslocamento do Hostel até a escola. Após aprender bem o trajeto, optou por fazê-lo caminhando.
Assim teria condições de melhor prestar atenção em tudo. Fotógrafa por aptidão e reconhecidíssima como tal, não havia uma ida ou volta à escola que não aproveitasse para captar com as lentes da sua máquina alguma peculiaridade. As motos pelas ruas pareciam abelhas em volta de um favo, num trânsito caótico, sem sinaleiras, com dezenas de milhares delas disputando espaço.
– Visitei um templo, amor. Um grande Ganesch onde os nepaleses depositam em oferenda frutas e doces. Os ratos aqui, assim como as vacas, são considerados animais sagrados. Havia algumas dezenas deles passeando em torno do Ganesch, comendo as oferendas. Eu filmei, amor. Também consegui permissão para acompanhar, à distância, um funeral. A família se concentrou em torno do homem morto, em oração.
Lavaram o corpo com óleo e o ungiram com perfumes. Cobriram o corpo nu com tecidos nas cores branco e laranja. Depois o colocaram sobre uma maca de bambu, por sobre os degraus de uma grande escada às margens do Rio Bagmati, e o incineraram. Eu só pude assistir bem de longe, mas vi, fotografei e filmei.
– Nossa, amor! Que experiência! E que material prum próximo livro! Tomes todo cuidado possível! Só beba água engarrafada. Ficaram lindas demais as fotos das crianças! Voltes logo! Te amo.