A deliberação é a transmissão do desejo do fim para os meios. Ela é o elemento propriamente humano (racional) que antecede a tomada de decisão presente em toda ação relevante aos domínios ético, político e jurídico. No artigo anterior, aprendemos com Aristóteles que não deliberamos sobre os fins (ser saudável, viver com segurança, adquirir conhecimento…), mas sobre os meios para realizar esses fins. O que vemos na prática, porém, é uma estéril agitação acerca de fins.
Fala-se muito da importância da educação, da necessidade de segurança pública, da urgência na preservação do meio-ambiente, da pertinência de uma vida saudável. Tudo isso é verdadeiro, mas trivial demais para fazer alguma diferença. A referência aos fins é completamente inútil se eles não forem usados como critérios para julgar a eficiência de meios concretos. Estes, sim, é que merecem atenção e engajamento. Dizer algo como “vamos incentivar a educação” é rigorosamente vazio se essa afirmação vier sozinha. A construção de um parque esportivo com uma piscina olímpica, duas quadras de vôlei, uma de basquete e uma pista de atletismo, para ser usado pelos alunos da rede pública no município, isso, sim, é um projeto particular digno de ser julgado à luz de um fim como a educação. Valerá a pena o alto investimento? Não seria melhor comprar lotes de computadores para distribuir aos alunos? A educação é um fim geral do ser humano e, como fim, não está sob discussão se vamos buscá-lo, mas como. Lembrar disso pode, então, ser útil para decidir se devemos construir o tal parque ou comprar computadores ou ainda alguma terceira via. O que não é inteligente é simplesmente invocar a ideia geral da educação e ficar apenas nisso.
Tanto na dimensão individual como na dimensão social, coletiva, nossos objetivos mais gerais nunca ficam apenas na abstração. Eles tomam forma por meio de projetos específicos, definidos por decisões concretas. Quero ser saudável (fim) e, por isso, caminho uma hora quatro vezes por semana (meio). Quero ter conhecimento (fim) e, por isso, leio diariamente dois jornais (meio). O que varia de pessoa para pessoa não são os fins, mas os meios, as escolhas. Os fins são universais. Mas só os meios são concretos o suficiente para marcar qualitativamente uma vida a ponto de dizermos que uma pessoa é mais saudável que a outra, ou que uma tem mais conhecimento que outra.
Da mesma maneira, as comunidades (municípios, estados, países) diferenciam-se não pelos fins que procuram. Sobre isso não há variação: todos buscam bem-estar, prosperidade, estabilidade, segurança, saúde… A diferença ocorre nos meios. São as decisões a respeito de projetos específicos e concretos que marcam qualitativamente a vida das comunidades, a ponto de podermos dizer que nesta cidade se vive melhor que naquela. Eis a importância da deliberação política.