Além do paraíso

Em 1998, eu estava participando de um festival de música no sul da França, o Sanary Sur Mer, lugar lindo, à beira do Mediterrâneo. Música, festa, comida, bebida, amigos e a certeza de que estava em algum lugar bem perto do paraíso. Festival com muitos artistas brasileiros, Copa do Mundo, gente do mundo todo em volta, curtindo o verão na Provence, na Cotê D’zur. Algo melhor? Impossível.
Pois, numa tarde de muito calor, assistindo ao jogo França x Paraguai, ao final da partida, com muitos amigos em volta, do nada, me senti muito mal. Não conseguia mover a cabeça, esse tal mundo paradisíaco rodava, e muito. Me assustei. Chamaram os paramédicos. Chegaram, tiraram a minha pressão, estava altíssima, minha cabeça rodava, o mal-estar era muito grande. Me levaram para um hospital em uma cidade vizinha, fizeram uma bateria de exames e constataram uma irregularidade em algumas funções do fígado, com alterações enzimáticas, TGO, TGP GMGT, tudo fora do normal, elevadas. Mas, a preocupação era com a cabeça. Me mandaram em uma ambulância a uma cidade perto, maior, Toulon. Lá fui internado para uma tomografia do cérebro. Nada foi constatado. Dormi no hospital. No outro dia de manhã, voltei para onde estávamos hospedados.
Dois dias depois, voltamos ao Brasil. Comecei, por conta, uma investigação. Procurei meu médico e amigo Silvio Harres, acupunturista com quem sempre me tratei, me pediu exames visuais do fígado, ecografia. O que vimos não foi nada bom. Me disse ele: “Bebeto, pode ser nada ou uma coisa bem ruim. Tens de procurar, a partir de agora, um especialista”. Me indicou o Dr. Ângelo Alves de Mattos, hepatologista conceituado em Porto Alegre. Quando viu os exames, me pediu mais uma outra bateria de exames de sangue, mais exames visuais, tomografias, etc. Foi diagnosticada uma hepatite C. Depois de algum tempo e de exames específicos, comecei um tratamento com Interferon peguilado e Ribavirina. Não negativei, passei muito mal e, alguns meses depois, foi abandonado o tratamento. E assim foi. Me mudei, fui para o Rio de Janeiro, fiquei sete anos sem fazer nada, apenas cuidando a alimentação e eliminando a ingestão de álcool.
Em 2012, precisei fazer uma cirurgia odontológia e a médica, sabendo das minhas condições, me pediu exames. O resultado foi uma baixa muito grande de plaquetas, menos de 50 mil – o normal é acima de 150 mil. A luz vermelha acendeu. Vim para Porto Alegre, fiz uma consulta com o Dr. Ângelo, que me xingou por ter desaparecido. Resultado: foi constatada uma cirrose, com uma leve desconfiança de um nódulo que demorou um ano para se revelar um hepatocarcinoma. Bom, caiu a casa. Estava cirrótico e com um tumor no fígado. Aliás, nada bom. Comecei a fazer todos os procedimentos para entrar para a lista do transplante. Apesar de não ter sintomas mais sérios, estava condenado, era o que tinha de ser feito. A vida mudou radicalmente, uma proximidade com o fim, com o limite, com a morte, te perturba, te abate, te silencia. Em 2013, muito rapidamente, com muita sorte, fui transplantado na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, e aqui estou.
Depois disso, naquele mesmo ano, formamos um grupo de amigos músicos transplantados – Los 3 Plantados, por gratidão às famílias que, superando um momento de dor, pensaram ainda em salvar outras vidas, num gesto de humanidade a toda prova. E, por solidariedade às pessoas que estão nas mesmas condições em que nos encontrávamos, esperando por um gesto desses – uma doação –, nos engajamos em uma campanha permanente de doação de órgãos, esperando que as pessoas despertem para esse incrível gesto de humanidade e ajudem a salvar mais vidas, assim como as nossas foram salvas.

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