Meu nome é Jimi Joe. Na verdade, no RG consta um tal Arzelindo Ferreira Neto, nascido em Arroio Grande, Rio Grande do Sul. Mas eu sou Jimi Joe desde há muito pra quem me acompanha como jornalista e músico. E desde maio de 2013, sou um dos milhares de transplantados de órgãos no Brasil e no mundo, no meu caso, de rim. No disco FromtheCradle, Eric Clapton regravou um blues muito antigo chamado Five LongYears. Pra mim foi o dobro, foram 10 longos anos frequentando o salão de hemodiálise do Hospital de Clinicas de Porto Alegre, três vezes por semana, à espera de um rim compatível com meu corpinho.
Desde o berço, como no título do citado disco de mr. Clapton, eu já estava predestinado à insuficiência renal. Como é comum com as crianças, eu tinha o hábito de fazer “xixi na cama” (quando criança a música do palhaço Carequinha dizendo que o “bom menino não faz xixi na cama” martelava meus ouvidos, aumentando meu complexo de culpa por molhar os lençóis toda noite e perturbar minha família!). Os médicos aos quais dona Eugênia, minha mãe, me levou diziam apenas que era normal para a idade e me receitavam remédios com nomes estranhos, como um tal de Helmintol. Só que os anos foram passando e, aos 11 anos, já não parecia absolutamente normal continuar com aquilo. A molhaçada acabou cessando e os sinais foram esquecidos.
Em dezembro de 1979, pilotando minha imbatível Honda CG 125, no cruzamento das ruas Dona Eugênia (ironicamente o nome de minha mãe) e Vicente da Fontoura, “achei” a porta de um flamante Fiat 147 ao desrespeitar a preferencial. Socorrido pelo motorista, levado ao HPS, constatou-se não haver fraturas e fui liberado. Pedi pra ir ao banheiro e fiquei apavorado novamente ao ver que estava urinando sangue. Novos exames e o diagnóstico. Não havia hemorragia interna nem ruptura de órgãos, mas descobri que tinha uma situação congênita chamada rins policísticos. A partir de então, passei a monitorar a situação, uma vez que se tratava de um mal sem cura e o crescimento dos policistos podia levar à insuficiência renal.
Em 2003, deu-se o fato por acabado. Numa visita ao dr. César Costa, meu nefrologista por todos os anos desde o acidente, veio a notícia de que minha taxa de creatinina era insuportavelmente alta e que tinha chegado a hora de cair na hemodiálise e na famigerada lista do transplante. Foram 10 longos anos na lista, no começo irritadiço e não aceitando, mas logo me adaptando à nova situação, com suporte fundamental da equipe do HCPA. Em maio de 2013, o tão esperado telefonema veio anunciando que havia um rim compatível. E deu-se o transplante. Pra explicar devidamente a imensurável sensação de gratidão aos familiares da doadora, cujo ato de desprendimento me devolveu à vida plena, seria necessário um outro texto tão ou mais longo que este que você está acabando de ler, mas isso é assunto pra outra hora.
Jimi Joe
Músico e Jornalista