Antigamente, quando a água ainda não era um produto ao alcance de todos, muitas famílias abasteciam suas casas a partir de bicas instaladas nas praças. Era até ali que as poucas redes vindas de rios e açudes traziam o produto, depois carregado até as residências em vasilhames que, mais tarde, deram origem aos baldes. A água que seria aproveitada para o consumo humano e a preparação de alimentos era normalmente armazenada em vasos de cerâmica menores, cilíndricos, de gargalo pequeno e boca estreita, chamados de botijas. Quando alguém queria matar a sede devia despejar o líquido em recipientes menores, como copos e canecos. Ocorre que, como na política, nem todos estavam dispostos a perder alguns segundos e seguir as regras da casa e, não raro, principalmente as crianças, ousavam beber diretamente da botija, deixando na borda os microorganismos que habitavam suas bocas. Como essa prática era considerada “nojenta”, o flagrante costumava dar origem a um sermão pelos mais velhos, muitas vezes acompanhado de uma surra com varinha de marmelo. E se alguém perguntasse o motivo do escândalo, a resposta era simples e direta: “foi pego com a boca na botija”.
Provas – As décadas passaram, o fornecimento de água foi universalizado, mas a expressão sobreviveu. Hoje é empregada para circunstâncias em que uma pessoa é flagrada cometendo algum ilícito, como os que brotaram das gravações feitas pelo Ministério Público no inquérito que deu origem à Operação Ibiaçá, sexta-feira. As transcrições de alguns diálogos entre agentes do governo Aldana e o empreiteiro José Valmir Silveira D’Ávila não deixam dúvidas: houve fraude nas licitações do transporte escolar, realizadas em 2015 e 2016, para beneficiar a sua empresa.
Atalhos – A relação entre o empresário a algumas figuras do governo é absolutamente promíscua. Nos diálogos, percebe-se nitidamente que Valmir dá ordens a funcionários da Prefeitura, como o então diretor de Licitações, João Francisco Teixeira da Silva, e o engenheiro Ricardo de Albuquerque Mello, da Secretaria de Obras. Está muito claro que eles agiram no sentido de limitar a participação de certas empresas na concorrência. Também é evidente que manipularam a tramitação dos processos para que eles chegassem diretamente ao prefeito Aldana, sem passar, por exemplo, pela Procuradoria Geral do Município.
Presentinho – Das conversas divulgadas, uma das mais curiosas envolve o chefe de gabinete, Valter Robalo, com o empreiteiro. Depois de falarem sobre a licitação do transporte escolar, o braço direito do prefeito pede a Valmir um “presentinho de Natal”. Para o Ministério Público, é uma prova de corrupção. Ainda não há elementos para dizer se o “Papai Noel” foi generoso, mas é possível que, em breve, isso seja esclarecido. Robalo está afastado do governo por decisão judicial desde 6 de junho.
Enxertos – Outro diálogo comprometedor envolve Robalo e o engenheiro Ricardo Mello. Depois que o Tribunal de Contas aponta irregularidades na licitação, o chefe de gabinete faz uma dura cobrança. Mello se justifica e responde que enxertou no processo informações repassadas pela empreiteira. Em nenhum momento o chefe de gabinete demonstra espanto ou revolta com a situação. Para o MP, ele não não só sabia o que estava acontecendo como ajudou a construir as fraudes apontadas pelo inquérito.
Discurso – Para quem não lembra, Valter Robalo se notabilizou na política local acusando o governo do ex-prefeito Percival de Oliveira, de 2005 a 2012. de corrupto. Na época, ele militava no PSol.
Dez a zero – Acossado por um processo de Impeachment que chegou à reta final nesta sexta-feira, o prefeito afastado Luiz Américo Aldana teve a sua situação piorada muito com as transcrições de áudios divulgadas na sexta-feira. Se antes parecia difícil escapar da cassação pela Câmara de Vereadores, agora ficou praticamente impossível. Há quem diga que, se a votação fosse hoje, o requerimento seria aprovado pelos dez vereadores, incluindo os do seu partido, o PSB.
Fonte – Não era segredo para ninguém que, embora fosse o inimigo número um do prefeito Aldana, o ex-vereador Renato Kranz (PTB) estava sempre muito bem informado sobre o que ocorria nos intestinos do governo. As gravações revelaram uma de suas fontes: o ex-diretor de Licitações da Prefeitura, João Francisco Teixeira da Silva. Ele, por sinal, já havia ocupado cargos de confiança na Administração Percival, da qual Renato foi uma espécie de primeiro-ministro. Num dos diálogos, “Joãozinho” informa ao vereador que o processo de licitação do transporte escolar é “cabeludo”.
Ausente – Sexta-feira à tarde, Aldana seria ouvido pela comissão encarregada do processo de Impeachment na Câmara, mas novamente não compareceu e, mais uma vez, por motivos de saúde. Difícil dizer se está realmente doente, mas uma coisa é certa: se tivesse ido, após a divulgação das gravações, teria sido muito difícil preservar a imagem de político perseguido que vinha passando até aqui.
Azar – Não há como negar: na botija da política montenegrina, estão os germes da corrupção. Até aqui, seis pessoas foram flagradas, mas possivelmente há outras e o tempo tende a revelar que a contaminação é muito maior do que se imaginava. Para azar de Montenegro.
Troca-troca
O vereador Márcio Miguel Müller, que está na Câmara ocupando a vaga de Valdeci Alves de Castro, vai deixar o cargo dia 31. Assim, Valdeci, que atualmente é responsável pelas secretarias de Desenvolvimento Rural e de Viação e Serviços Urbanos, retornará ao Legislativo, deixando vagas as duas pastas pelas quais responde e que são cobiçadas por outros vereadores. O retorno dele à Usina e a saída de Márcio mata dois coelhos com um só cajadada, já que o suplente também não conta com a simpatia dos parceiros de tribuna.
Espaço – Esta semana, deve ser anunciado o nome do ex-vereador Ivan Lopes, dirigente do PRB, para o comando da Secretaria de Desenvolvimento Rural. A legenda, que apoiou Aldana e Kadu nas eleições, vinha reclamando há muito tempo da falta de espaço.
Capacidade – Ivan Lopes não é produtor rural e nem técnico na área, mas, nos corredores do governo, há quem aposte em sua capacidade de liderança e de diálogo. E levando em conta algumas figuras que já passaram por esta função, ele, pelo menos, sabe a diferença entre um touro reprodutor e uma vaca leiteira.
Rapidinhas
* Quem deve assumir uma cadeira no Legislativo é Kellen de Mattos, do PSD. Como suplente, vai ocupar a vaga de Cristiano Braatz (PMDB) por duas semanas. Ele comunicou à mesa diretora uma licença entre os dias 21 de setembro e 6 de outubro.
* Kellen vai reforçar a presença feminina no parlamento, ao lado de Josi Paz e Rose Almeida, ambas do PSB. Embora por poucos dias, será a primeira vez na história que a Câmara de Vereadores terá três mulheres em sua composição.
* Nas redes sociais, a situação do prefeito Aldana gera cada vez mais manifestações pela sua renúncia. Seria uma forma de escapar da cassação, preservar os direitos políticos, tentar provar sua inocência na Justiça para, se conseguir, voltar em nova eleição.
* Na direção oposta, a renúncia costuma ser interpretada como confissão de culpa. Raramente os eleitores gaúchos dão nova chance a quem desiste.
* Prefeitura interditou um parque de diversões, na semana passada, por falta de licença e de boas condições de segurança. Muita gente reclamou. Certamente os mesmos que teriam acusado o Município de omissão se tivesse ocorrido algum acidente.
* Lideranças do Partido Progressista estiveram com o prefeito Carlos Eduardo Müller na semana passada, oferecendo seu apoio ao governo. Importante: não houve pedido de cargos como compensação.
* Somente no primeiro semestre deste ano, 537 pacientes faltaram a consultas agendadas no Hospital Montenegro, gerando um gasto desnecessário de R$ 23.680,00. Fisioterapia e traumatologia são as áreas em que as ausências injustificadas mais ocorrem.
* Prefeitura fez o primeiro depósito dos valores referentes à implantação do Raio X e do Mamógrafo no Hospital Montenegro. Parece que agora a coisa vai.