– Uma mãe faz qualquer coisa por um filho. Até roubar. Só não mata.
– Quem disse que não? Judia de um filho meu pra ver se eu não mato!
Não me lembro do contexto desta conversa. Mas recordo claramente do diálogo entre minha avó e minha mãe, na cozinha, enquanto uma secava a louça e a outra a guardava. Eu, criança, deveria estar brincando, mas sempre tive a mania de ficar atenta às “conversas de adulto”. E esta me marcou porque deixou claro que minha mãe estava ali, disposta a tudo para me defender.
É claro que há certo exagero nas falas. O amor de mãe não pode servir de desculpa a tudo, muito menos para crimes. Mas é possível compreender que uma mãe, vendo a fome do filho e não tendo o que lhe oferecer, furte algo, ainda que não seja “certo”. Quando leio uma notícia sobre crianças agredidas ou abusadas, seja por estranhos ou familiares, sempre penso que, se fosse meu filho, o destino deste agressor não seria bom. Não me orgulho disso, mas não assimilo monstruosidades contra seres inocentes sem que a raiva cresça dentro do coração.
Ainda com muitas interrogações a serem respondidas, um novo caso de violência contra uma criança chocou o Rio Grande do Sul esta semana. Novamente um familiar matou o filho. A vítima é Rafael Mateus Winques, de 11 anos, morador da cidade de Planalto. A mãe confessou ter assassinado o filho. Chegou a dizer que o fez com medicamentos e por engano, desejando apenas acalmá-lo. Contudo, a perícia já descobriu que ele foi asfixiado. A polícia investiga as razões e a participação de possíveis cúmplices, seja no assassinato ou na ocultação do cadáver.
Chama a atenção que Alexandra Dougokenski passou mais de uma semana dizendo, friamente, a autoridades, à comunidade de Planalto e à imprensa que o filho havia desaparecido de dentro de casa após colocá-lo para dormir, como fazia todas as noites. Ela fez apelos por informações sobre o paradeiro da criança, embora soubesse muio bem onde estava o corpo. Pergunto-me como esta mulher foi capaz de dormir por todos estes dias em que sustentou sua história mentirosa. Como acordou a cada manhã? Como respirou a cada minuto, sabendo que o corpo da criança estava em uma caixa numa casa abandonada? Não há explicação para tal monstruosidade.
A história é tão inacreditável que muitas pessoas estão tentando encontrar explicações. Há quem acredite que a mulher assumiu o assassinato para proteger alguém. Se há o que contar, caberá justamente a Alexandra fazê-lo, nem que seja em memória ao filho. Assim como ela teve a atenção da imprensa e da polícia no início do mês, e utilizou os espaços para contar mentiras, tenho certeza de que ela será ouvida quando resolver dar uma versão da história que se mantenha em pé.
Diante de mais um caso – impossível não lembrar do menino Bernardo – penso que cabe uma reflexão a todos. A palavra mãe, tão bela, praticamente um sinônimo de altruísmo, não pode definir alguém capaz de ferir uma criança e lhe tomar a vida. Nenhuma tarefa, de qualquer ser humano, será mais importante do que educar e proteger as crianças. Não importa a profissão que você tenha, seu nível intelectual ou o quanto de dinheiro há em sua conta bancária. Pais, mães, irmãos, tios, padrinhos, avós, vizinhos, todos têm papel relevante na proteção à criança. É claro que a responsabilidade primordial é dos pais e das mães, já que assumiram a missão de criar e educar um ser humano. Mas qualquer um que saiba ou desconfie que uma criança corre risco e escolha calar-se poderá, ali na frente, conviver com a culpa. Quem “lavar as mãos” diante de uma agressão à criança poderá tê-las sujas de sangue pela vida toda.