Padrões, beleza e dores

Padrões estéticos podem ser cruéis. E muito nocivos. A primeira vez que eu me dei conta disso foi ainda na pré-adolescência. Lá por volta dos 11 anos. Era início dos anos 2000, as Spice Girls ditavam moda e as calças de cós baixíssimo mostravam muito mais do que o nosso baixo ventre.

A mistura entre o jeans baixo, de boca de sino e as “camisetes” justas e curtas (mini-blusas, como chamávamos os croppeds da época) eram um desafio à formação dos corpos das meninas (até hoje tenho meu pneuzinho bem desenhado por isso). E nesse contexto todo, como ocorre até hoje, corpos magros era privilegiados. A tendência estética era a magreza extrema, que chegava a definir os ossos sob a pele.

Eu nunca fui exatamente uma pessoa magra. Sempre tive minhas belas bochechas, meus braços em forma de pãozinho e era a criança “fofa” da sala. Mas, por volta dos 11 anos, tive problemas de saúde que me fizeram perder cerca de 15 quilos muito rapidamente. E o que eu mais ouvi, na época, foi sobre como eu estava mais bonita, sobre como as pessoas queriam aqueles problemas de saúde e como eu tinha “sorte” por isso. Essas manifestações bagunçaram minha cabeça de criança que, até aquele momento, se preocupava em customizar roupas para as bonecas com as próprias meias. Era incompreensível como alguém quereria sentir dores horríveis, enjôos e mal-estares apenas para perder alguns quilos. Não fazia sentido, na minha cabeça, alguém desejar que os seus alimentos preferidos fizessem tão mal a ponto de não conseguir comê-los. Tudo em busca de um padrão.

O conceito de padrão de beleza ainda nem me era conhecido, mas já causava estranhamento. O problema é que, com o tempo, isso começou a se naturalizar ao ponto de eu achar normal sentir dor, vontade ou desconforto apenas para me encaixar. A velha frase de que “ser bonita dói” não deveria ser ensinada às nossas meninas e nem reforçada nas mulheres. Não deveria ser bonito sofrer.

O padrão de beleza não é algo natural, mas é naturalizado. É uma construção social que já foi descrita por pesquisadoras como Simone de Beauvoir, quando fala que os hábitos, estética e padrões femininos são construídos de acordo com o que a sociedade entende que é o ideal para uma mulher. Esse padrão também já foi discutido por Judith Butler, que, ao dialogar com as teorias de Michel Foucault, afirmou que as instituições sociais entendem ter direito de interferirem nos corpos femininos. Parece exagerado, né? Mas pensa comigo: que mulher nunca ouviu que “homem gosta de cabelo comprido, bunda grande, barriga pequena, mulher santa na rua e puta na cama”; entre outras afirmações? Que mulher nunca ouviu que deveria se maquiar (mesmo não gostando), mas não muito, para que não ficasse exagerado. Nem pouco. Deveria parecer natural. – E o que se parece mais com o natural do que sermos nós mesmas?

E olha que estou falando de um lugar extremamente privilegiado, já que sou branca, de cabelos ondulados, olhos azuis e sardas. Mais de meio caminho andado para o padrão estético ideal. Fico pensando como esse padrão socialmente construído é imposto às meninas negras, às meninas de cabelo crespo ou ainda àquelas que têm deficiência ou alguma doença. A sociedade pode ser infinitamente mais cruel.

Eu gosto de me sentir bonita. Todas devemos nos sentir assim. Mas que sejamos bonitas para nós mesmas. Não por um padrão que os outros nos ensinaram. A busca pela beleza deve ser saudável e alcançável. De um jeito que nos sintamos bem e confortáveis com nossos corpos, com nossas roupas, com nosso jeitinho de ser. Somos únicas e a maior beleza está na diversidade de sermos exatamente assim: sem padrões.

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