Quando eu não fiquei milionário

Há muito tempo, lá pelo início desse século, eu costumava testar minha mente em diversos experimentos. Eu meditava muito, tinha sonhos lúcidos quase todos os dias e experiências que colocariam até o mais cético de cabelo em pé. Bons tempos. Muito aprendi naquelas épocas. E, em certa ocasião, como muito fazia, fui dormir com meu caderno de anotações ao lado do meu colchão, que eu removia da cama e jogava no chão. Ao lado, também deixava um pequeno aparelho de som, onde dormia ouvindo o programa Pijama Show, na rádio Atlântida.

Como de costume, durante o sonho, recobrei minha lucidez e comecei a explorar aquele universo onírico e, em determinado momento, uma luz azul desceu dos céus em um terreno baldio, adjacente onde eu estava e, no mesmo instante, senti um chamado para adentrar naquela luz. Assim que o fiz, fui tomado de um formigamento que se espalhou por todo o meu corpo e, foi então que ouvi uma voz, como se fosse um trovão, ecoando por todo o espaço, inclusive pelo meu corpo. A voz me perguntou: “O que você quer?”. Eu, jovem esperto, não levei um segundo para responder. Eu sabia o que queria e, assim, disse: “Quero saber os próximos números da megasena”. Esperto. Porém um silêncio se instaurou e eu comecei a ficar impaciente. Questionando a voz se ela tinha entendido, tomei um mijão, mandando que eu tivesse calma. Então a voz respondeu: “Não podemos lhe dizer os próximos números da megasena porque o futuro não existe. Por isso escolha seis números e nós faremos com que eles saiam para você. Acorde, escreva-os e volte depressa”. Eu acordei no mesmo instante, trêmulo, com o corpo formigando.

Meu caderninho estava em cima do aparelho de som, fechado, com um lápis sobre ele. Então eu abri o caderno e rapidamente escrevi os seis números que me vieram à cabeça, jogando o caderno e o lápis de volta, de qualquer jeito, retornando ao sonho logo em seguida. Assim que bati a cabeça no travesseiro, eu me encontrei novamente no mesmo lugar, dentro daquela luz azul. A voz apenas disse “Tenha paciência”, antes de desaparecer e eu dormir completamente.

Acordei no outro dia rico. Sabia que estava rico. Um sonho daqueles era um absurdo. Não tinha como dar errado. Entretanto, olhando para meu caderninho, vi que ele estava arrumado, sobre o aparelho de som, com o lápis colocado sobre ele, tal como tinha deixado quando fui dormir naquela noite. Fiquei decepcionado. Tinha sido um sonho. Nem sequer me lembrava dos números que tinha escrito. Assim, peguei aquele caderninho e comecei a folheá-lo e, lá pelas tantas, vi escritos os seis números, de lápis, fraquinhos, quase apagados. Meu coração quase parou. Era uma quarta-feira. Então eu joguei e, claro, não ganhei. Fiquei irritado de uma forma descabida que cheguei a por fogo naquele papel. Sentia-me traído de uma forma surreal. Todavia, no sábado da outra semana, acordei com uma sensação também surreal: uma vontade, uma necessidade enorme de jogar na Megasena; porém, não tinha mais os números e lembrava-me apenas de cinco deles. Assim, sem os seis, acabei deixando de jogar. À noite, no Jornal Nacional, que eu nunca assistia, vi que, naquele sábado, haviam sido sorteados todos os meus seis números. Recordei do sexto assim que o vi. Perdi R$54 milhões. Nunca esquecerei. Moral da história: confie e tenha paciência.

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