As ruas não mentem! O mercado automobilístico brasileiro praticamente extinguiu os carros de duas portas, salvo raras exceções como super esportivos, compactos importados, off road e aqueles com mais de seis anos. Carros zero não têm mais a versão simples. A mudança estética responde à nova visão do consumidor, motivado pela praticidade e segurança. Mas de maneira alguma aqueles de duas portas devem ser desqualificados.
O Ibiá foi ouvir um especialista. O professor do curso de Engenharia Mecânica Automotiva da Ulbra Canoas, Luiz Carlos Gertz, iniciou fazendo um resgate histórico, ao lembrar que, nos anos 80, enquanto no Uruguai e na Argentina o quatro portas era trivial, no Brasil, o comum eram as duas portas. Os leitores com mais de 25 anos certamente lembram como quatro portas era conceito de luxo, especialmente pelo Opala e o Galaxi.
O professor chamou de “tradição peculiar” do brasileiro, que associava modelos de apenas duas portas ao conceito de esportividade, caindo no gosto especialmente dos jovens. Algo que não está errado ao verificar que os grandes esportivos da história pelo mundo – Ferrari, Lamborguini, Camaro, Porche – apresentam essa característica. No Brasil mesmo, modelos mais potentes como os primeiros Golf e Astra vinham nesta versão.
“O brasileiro sempre achou que o carro para ser esportivo tinha que ser de duas portas”. Tudo começou a mudar com a chegada dos SUV’s nos anos 90, apresentando seu desempenho elevado com elegância. Essa visão se consolida quando a Volkswagen apresenta o Golf de quatro portas e porta-malas amplo, mas com o “motorzão” GTI. “O conceito de esportividade mudou. Antes era duas portas. Hoje, são quatro”, avalia.
Fabricação do quatro portas é mais cara
Mudanças custam dinheiro! E no caso desta adequação, custa para quem fabrica e para quem compra. O professor afirma que focar em quatro portas não traz vantagem às
montadoras. Ao contrário, a opção eleva o custo, desde a estamparia da lata até a peça propriamente. Portas pedem sistemas de vidros móveis, trancas e maçanetas. “É um acessório complexo de produzir”, diz.
No caso do consumidor, como o quatro portas sempre foi mais caro, a desvantagem fica por conta de não ter esta opção para economizar; ainda que a diferença de preços não seja absurda. Então, cabe considerar que talvez a estética tenha sido a última consideração da indústria. Isso explica veículos sem a menor esportividade limitados ao embarque dianteiro.
Cliente quer sofisticação e conforto
Luiz Carlos Gertz salienta que tudo é uma questão de mercado; de se adaptar ao que deseja o consumidor. “O grande apelo dos quatro portas é a praticidade”, argumenta. Ele observa que a entrada e a saída de um carro são operações complexas, especialmente dependendo das opções de acesso. Se o desconforto para entrar no banco de trás sem que haja portas já é sentido por um carona sem limitações, é de se imaginar o quão difícil é para idosos, obesos, deficiente ou com bebê nos braços.
Por outro lado, levando em conta apenas motorista e carona na frente, os modelos com duas na dianteira têm a grande vantagem de elas serem mais amplas. Assim, é normal ver motoristas obesos ou muito altos, por exemplo, preferirem esta opção. A desvantagem, recorda o professor que tem um duas portas, é o espaço que ocupam abertas. Em tempos de garagens reduzidas nos prédios, isso exige muita manobra.
Não está errado relacionar o carro pequeno de duas portas com o consumidor jovem, sem família e que dirige na cidade, especialmente entre casa e trabalho. Mas também não é um conceito definitivo. Gertz observa que a tecnologia atual oferece veículos compactos com ótimo desempenho na rodovia. E o solteiro quer sim pegar a estrada para viajar com conforto e agilidade.
Neste sentido, lembrou do compacto UP da Volkswagen, que em 2014 foi lançado com a opção de duas portas e hoje vem apenas na versão quatro. “Tecnologicamente é um dos melhores carros fabricados no Brasil”, observa, salientando o desempenho na estrada graças ao conforto e estabilidade. Assim como a Volkswagen, as outras principais montadoras no Brasil não oferecem mais compactos de duas portas.
Tecnologia já dá mais rigidez estrutural
A tecnologia avançou, permitindo a evolução dos modelos com quatro portas. O professor inicia sua explanação desfazendo mitos, como o de que este tipo de carro é menos seguro em caso de colisão lateral, além de entortar sua estrutura.
Na verdade, acreditava-se que eram mais difíceis de serem realinhados após a batida; o que de fato ocorria. Mas hoje, veículos que colidem e desalinham, dificilmente são recuperados, pois as seguradoras preferem indenizar. “A questão não era de segurança. Mas sim de economia”, disse.
O professor, no entanto, concorda que se for preciso realizar um desembarque rápido, ou até mesmo um socorro, as aberturas traseiras dão agilidade. Quanto ao desempenho, é fato que o chassi e a lataria dos de duas portas reduzem a distorção da estrutura em curvas. Mas este efeito, no quatro portas, não é perceptível. Além do mais, não é algo permanente ou que afete em longo prazo.
Usando uma caixa de sapatos como exemplo, o professor explica que a estrutura retorna para o lugar após a curva. Esta é uma informação meramente de engenharia. A novidade está nos avanços que equilibraram a rígida estrutura de carroceria entre as duas opções, afastando de vez esta lenda.