Um pé no campo e outro na cidade

Aos 73 anos, o aposentado Pedro Sérgio Neis tem suas raízes no interior, onde passou a infância e boa parte da juventude. De um tempo em que a enxada era o instrumento mais comum no preparo da terra para o cultivo, ele recorda a época em que a tecnologia estava distante do meio rural.
Suas memórias remetem ao lugar onde nasceu, no interior de Pareci Novo, quando ainda fazia parte de Montenegro. “Morava em Porto Maratá”, complementa. “Éramos seis irmãos, eu era o mais velho”, acrescenta. Como era comum na época, ainda crianças, os filhos aprendiam a trabalhar e a família cultivava quase todo o necessário para a subsistência. “A gente ajudava, fazia capina”, recorda.

A lida incluía cortar lenha para abastecer o fogão, para fazer comida e aquecer a casa, além do forno para assar o pão. E fogão a gás? Naquele tempo, não existia. Pedro acrescenta que, embora sua casa tivesse energia elétrica, ter um refrigerador estava distante da sua realidade. Mesmo assim, eles davam um jeito para manter a bebida fresca, colocando as garrafas no chão, embaixo do assoalho da casa, onde não pegava sol e, portanto, a temperatura era mais amena.

Sua família criava vacas e galinhas para garantir a carne, os ovos e o leite. E cultivava a terra, plantando principalmente citros e aipim. “Minha mãe lutava muito para manter a propriedade”, observa. Pedro acrescenta que seu pai trabalhava em uma pedreira. O que sobrava do consumo próprio da família era comercializado, garantindo recurso para a compra daquilo que não produziam. Um arado era o equipamento mais “moderno” que a família possuía para facilitar um pouco o preparo da terra e, para usá-lo, seu pai contratava um ajudante.

Essa era a vida de boa parte das famílias que viviam no interior em sua época. Ao chegar à idade escolar, Pedro foi morar com a avó, em Campo do Meio, onde havia uma escola mais próxima e, para ir, tinha a companhia do tio. Foi, então, aluno da professora Mafalda Padilha, que atualmente dá nome à instituição. Na sua época, porém, as aulas ainda eram no prédio antigo, em frente ao atual. Pedro frequentou a escola dessa localidade por cerca de seis meses e, então, sua mãe entendeu que já podia voltar a Porto Maratá, passando a estudar na Escola Beato Roque. Na infância, seu tempo era dividido entre a escola, o trabalho no campo e as brincadeiras com os irmãos e outras crianças. Jogar bola era a diversão mais comum, mas Pedro não gostava muito. “Tinha receio de cair, quebrar uma perna, de me machucar e aí não poder ir à escola”, observa.

Os dias passavam tranquilos e, à noite, o habitual era dormir cedo. Sem televisão para matar o tempo, pouco depois das 20h, Pedro e os irmãos já estavam na cama. “A gente fazia oração e ia dormir”, acrescenta. O rádio fazia companhia algumas vezes. “Na segunda-feira, a gente escutava um programa da rádio, a Voz do Pastor, na rádio Difusora, era um programa religioso”, afirma.

Quatro anos em Porto Alegre
Pedro Neis seguiu nos estudos e, na juventude, após concluir o curso técnico em Contabilidade, em Montenegro, foi tentar a vida em Porto Alegre, na década de 60. Na capital gaúcha, trabalhou em escritório por quatro anos e, depois, decidiu voltar. Inicialmente morou com a mãe, no interior de Pareci Novo, mas, sua avó ficou viúva e o convidou para dormir lá, fazendo companhia à noite. Ao voltar para Campo do Meio, Pedro entrou no Grupo da Juventude Evangélica daquela comunidade. “Me sentia bem, a gente respeitava o credo religioso deles, e eles o da gente, fiz muita amizade”, recorda Pedro, que é católico.

Nessa época, ele fazia alguns trabalhos de despachante e usava sua bicicleta para o deslocamento no interior e na cidade. Em 1971, Pedro casou-se com Helmi Maria Schmidt Neis, falecida em 2014, com quem teve as duas filhas, Juliane Inês e Vivian Cristina.

Incentivado por amigos, ele abriu um escritório na cidade e, na década de 80, decidiu fazer curso de Direito na Unisinos, formando-se em 85. Ele esclarece que não chegou a atuar na defesa de alguém, pois realizou o curso para ter mais conhecimento na sua área de trabalho, no escritório de despachante. Morador do bairro Progresso, Pedro salienta o crescimento da cidade nas últimas décadas.

Antigamente era mais tranquilo
Com o passar dos anos, a tecnologia chegou ao interior, facilitando a lida no campo. O agronegócio é mais valorizado e o meio rural proporciona mais oportunidades de trabalho e renda, o que freou um pouco o êxodo rural. Pedro Neis percebe essas mudanças, lembra que as dificuldades diminuíram nesse aspecto, mas percebe também o aumento da violência.

Ele acrescenta que hoje a preocupação com a falta de segurança é maior, pois a ocorrência de assaltos no interior é frequente. “Antes a gente se cuidava para não dar chance ao azar, mas hoje o ‘bicho tá pegando’”, resume. “Antes tinha dificuldades, hoje também é difícil, mas a pessoa não pode se entregar, tem que lutar, não adianta ficar reclamando”, resume.

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