Elisandra Kehl é uma das poucas no comando de uma entidade do setor da agricultura na região
A igualdade entre mulheres e homens caminha a passos mais lentos no interior. Segundo dados do último senso agropecuário de 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no total são 3121 agricultores em Montenegro, sendo 2063 homens e 1058 mulheres. O número maior de homens no comando das propriedades é refletido também nas entidades representativas do setor. Dos 17 Sindicatos de Trabalhadores Rurais que compõem a região do Vale do Caí, apenas 4 são comandados por mulheres.
Mas na contramão da maioria das entidades que representam a agricultura, a Associação da Citricultura do Vale do Rio Caí (Acvarc), criada em 2019, elegeu sua primeira presidente uma mulher. Elisandra Kehl, agricultora da localidade de Fortaleza, foi a eleita para comandar a Acvarc, que também é composta em grande parte por homens.
A história da agricultora no meio rural teve início há cerca de seis anos, quando ela e o marido resolveram vender a casa que tinham no bairro Santo Antônio e comprar uma propriedade rural na localidade de Fortaleza, interior de Montenegro. Elisandra, na época, era vendedora de uma concessionária de carros da cidade e resolveu apostar em um desejo de morar no campo e viver da agricultura. “Nós já tínhamos essa identificação com o interior, o avô do meu marido foi quem descobriu a bergamota montenegrina e o pai dele também tem plantação de citros em Alfama. Mas nós queríamos uma coisa que fosse nossa, e como a gente já sabia fazer algumas coisas nessa área da citricultura, resolvemos investir nisso”, conta Elisandra.
O trabalho envolve toda a família, mas quem está à frente da propriedade é Elisandra e a Filha, Brenda Kehl. O marido da agricultora, Everton Kehl, trabalha em uma empresa de Montenegro, e por isso grande parte do serviço é realizado pelas mulheres da família, que contam com a ajuda de Everton somente nos períodos de folga.
Além de ajudar na propriedade, Brenda atualmente cursa agronomia e é assessora da Fetag-RS na região do Vale do Caí. Desde os 15 anos atuando no movimento sindical, a jovem conta com orgulho da trajetória percorrida na entidade. “Eu comecei participando do grupo de jovens do sindicato, fui coordenadora de jovens e em 2020 assumi a assessoria regional. Para mim é um desafio muito grande enquanto jovem e mulher estar auxiliando as organizações sindicais, que são formadas na sua maioria por homens”, destaca Brenda.
O desafio maior é da porteira para fora
Apesar da igualdade de gênero não ser um problema na propriedade da família, da porteira para fora a realidade é outra. Elisandra conta que ao assumir o comando da Acvarc foi de certa forma uma quebra de tabu. “São desafios, quando eu assumi a associação percebi que havia um público bem mais restrito de mulheres, porque os homens é quem estão à frente das propriedades”, afirma a agricultora.
Mas apesar da desigualdade, Elisandra acredita que a realidade está mudando e as mulheres estão mais interessadas em participar do comando das propriedades. “O Sebrae e o Senar também têm sido parceiros tentando colocar essas mulheres em cursos para saber como funciona a propriedade. Porque acontece que muitas mulheres, quando falece o marido, não sabem por onde começar, porque elas não sabem nada da propriedade, então hoje a gente está mostrando para a mulher que ela precisa sim estar à frente”.
Brenda também concorda que as entidades têm sido importantes nas conquistas das mulheres no campo e destaca o papel da mulher também na sucessão familiar da propriedade. “Nada impede que tu como mulher, filha de um agricultor, continue na agricultura. Se não gosta tanto da parte braçal, porque de fato é mais desgastante fisicamente, ela pode assumir uma parte da propriedade que também é importante”, afirma a jovem.
Para Elisandra, a mulher deve estar mais presente nas atividades da propriedade, e não ficar restrita apenas aos afazeres domésticos. “Aqui em casa eu e o meu marido, a gente é sócio, é uma parceria, então tem que ter isso. Não pode ser anormal uma mulher que faz poda, que faz raleio, que pega o trator e lavra um chão, isso tem que ser normal”, ressalta a agricultora.