Elas comandam a Justiça montenegrina

A cúpula do judiciário montenegrino, no Fórum, na Justiça do Trabalho e no Ministério Público, é comandada apenas por mulheres. Elas atuam nas varas cível, criminal e trabalhista. Os tempos mudaram, e agora o sexo feminino ocupa lugares que já deveriam ser delas desde sempre.

Márcia Amaral Martins, Deise Fabiana Lange Vicente e Priscila Gomes Palmeiro ocupam as vagas titulares no Fórum. Lina Gorczevski é juíza titular na Justiça do Trabalho, mas está em licença maternidade, e Ivanise Marilene Uhlig de Barros está nomeada como magistrada substituta na Vara do Trabalho. No Ministério Público, duas promotoras coordenam os trabalhos. Graziela Lorenzoni e Daniela Tavares da Silva Tobaldini formam o grupo de “Mulheres da Justiça”.

A Segunda Vara Cível é atendida pela juíza Deise Fabiana Lange Vicente, que entrou na Magistratura em agosto de 1997, na Comarca de Guaporé. “Depois jurisdicionei a Comarca de Esteio, São Leopoldo, e por fim, Montenegro”, afirma. Ela obteve o primeiro lugar quando realizou o Concurso Público, após acatar a sugestão de um professor de português, o qual via que a jovem tinha vocação para o judiciário.

O preconceito por ser uma mulher que possui poder de julgamento nunca passou perto de Deise. “Tanto meus pais, quanto profissionais do Direito, sempre me deram apoio e solidariedade”, revela ela, que relata, ainda, que a desigualdade de gênero no âmbito do Poder Judiciário, felizmente, não é vista. A magistrada fala em oportunidades iguais. “Todos temos oportunidades iguais, e meu anseio é que tal proceder se estenda a todos os segmentos da sociedade” pontua Deise.

Ela afirma que sua contribuição para a sociedade é procurar se empenhar ao máximo com as questões que a ela são apresentadas. “Ouvir as pessoas, buscar alternativas autocompositivas, visando melhor atender aos anseios daqueles que buscam a justiça”, acrescenta Deise Lange Vicente.

Problemas devem ser pacificados de outras maneiras
Juíza da Vara Criminal no Fórum de Montenegro, Priscila Gomes Palmeiro, 42 anos, é mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa (Portugal). Segundo ela, sua preocupação está com a Justiça no futuro. “Nossos recursos humanos e orçamentários são limitados. A demanda cresce exponencialmente, pois tudo acaba na justiça. Precisamos focar em outras formas de solução de conflitos, na pacificação social de maneira diferente”, diz.

De Giruá, interior gaúcho, Priscila destaca que sua contribuição é mostrar que podemos ser pacíficos e conversar olhando um no olho do outro, resolvendo os problemas sem delegar. A entrada para o judiciário se deu por uma formação humanista. “Meu pai, meus avós, bisavós e muitos familiares são ou foram tabeliães ou registradores. Sempre acreditei que poderíamos ter um mundo melhor e que eu deveria contribuir de alguma forma. A escolha pela magistratura se deu por minha personalidade idealista e por querer deixar um mundo melhor para as gerações futuras” revela.

Priscila Gomes Palmeiro é juíza
da Vara Criminal de Montenegro

Em todo o período de preparação para ser juíza sempre foi apoiada para assumir um cargo que antes era dominado por homens. Essa base veio de todos os familiares. Inspirações femininas também contribuíram nesta caminhada. “Não tenho uma inspiração única. Inspiro-me naquelas mulheres que entregaram e entregam seu coração na busca de melhores condições de vida para seus semelhantes como Dandara, Marielle, Joana D’arc, Maria da Penha, Frida Kahlo e, principalmente, Esperança Garcia”, destaca.

Mesmo que Montenegro tenha somente mulheres na linha de frente do judiciário, Priscila diz que ainda não está plenamente realizada, pois essa não é uma realidade nacional. “Esta realidade aqui não reflete o que acontece no sistema como um todo. Uma pesquisa realizada pelo CNJ mostra que, em 2013, apenas 36% dos magistrados eram mulheres. A representatividade feminina ainda é baixa. Precisamos evoluir muito”, registra.

Mulheres têm preparo técnico para cargos mais altos
A Justiça do Trabalho de Montenegro também conta com duas juízas. Lina Gorczevski atua como juíza titular, mas atualmente está em licença maternidade. Ivanise Marilene Uhlig de Barros, 47 anos, é a juíza substituta da Vara do Trabalho de Montenegro, atuando na cidade há cerca de dois anos, além de ser titular da 5ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo.

A magistrada destaca que está feliz e realizada por prestar este serviço à sociedade. “É possível trazer uma visão feminina quanto ao trabalho e valorização pessoal”, afirma. Porém, ela ressalta a importância de ter homens e mulheres em todas as esferas trabalhistas, pois essa miscigenação traz bons resultados.

Para a pós-graduada em direito do trabalho, a sociedade está evoluindo e ultrapassando barreiras. “Hoje nós estamos conseguindo ter uma igualdade de profissionais do sexo masculino e feminino. Isso demonstra uma evolução no sentido de que se quer mudar a imagem de a mulher ter que trabalhar em atividades domésticas ou atividades de menor complexidade”, afirma.

Ivanise Uhlig de Barros é juíza
substituta da Vara do Trabalho

Por outro lado, de acordo com a juíza, as estatísticas mostram que a mulher tem um nível de escolaridade superior ao dos homens. “Mesmo assim ocupamos cargos mais subalternos. Uma quantidade bem reduzida de mulheres ocupa cargos de gestão e administração, sendo incompatível com a capacidade que o sexo feminino tem para comandar”, destaca.

Não estão previstas diferenciações salariais, no Poder Judiciário, tendo em vista que os cargos são ocupados por concurso público. “Não se pode prever salários diferenciados para estes casos. Mas, recebemos muitas ações trabalhistas com este tema, principalmente da iniciativa privada”, diz a magistrada.

Até hoje Ivanise nunca enfrentou preconceito no exercício do cargo. Porém, diz que têm pessoas que querem demonstrar mais força de conduta por estar em frente a uma juíza. Relacionado com o desempenho do ofício, a magistrada não vê diferenciação entre ser um juiz ou juíza. “Trabalhamos com imparcialidade, fatos, provas. É algo técnico e por isso homens e mulheres agem da mesma forma”, acrescenta.

Todavia, em casos de agressões ou assédio a mulher juíza tem mais facilidade em compreender o sentimento da vítima, mas o julgamento e a apreciação da ação permanecerão pautados com o caráter técnico. Sobre a escolha de seguir carreira na área judiciária, Ivanise diz que foi uma questão de identidade com a resolução dos casos que envolvem a sociedade, principalmente questões trabalhistas.

“Eu vejo que posso contribuir com o meu conhecimento para intervir nessas relações que chegam até nós de forma desequilibrada e, ao final, precisam sair com uma decisão que equilibre novamente a situação”, aponta a juíza. Essa vontade de contribuir com a justiça foi somada ao exemplo que Ivanise teve em sua casa, quando criança.

“O meu grande incentivo e inspiração é a minha mãe, que tinha apenas o terceiro ano no primário, mas sempre foi trabalhadora e lutadora. Minhas irmãs e meu irmão possuem Ensino Superior com Pós-Graduação e falam ao menos das línguas fluentemente”, conclui.

O trabalho mais delicado é o que envolve crianças
Graziela Lorenzoni, 49 anos, exerce o cargo de 1ª Promotora de Justiça no Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP), na Comarca de Montenegro. Além disso, é diretora da Promotoria do município, onde promove diretrizes e questões de funcionamento da repartição pública.

Promovida por merecimento para esta cidade, em 2003, Graziela cursou Direito na UFRGS e foi aprovada no Concurso Público no ano de 2000. Filha de uma Procuradora de Justiça, com o tempo foi alimentando o interesse em concursos e por júri. “Ser promotora de júri é minha maior gratificação aqui no MP. Certamente o que eu mais gosto de fazer são os Plenários de Julgamentos”, afirma.

Graziela Lorenzoni é, desde 2003, promotora na Comarca de Montenegro

Para ela, as mulheres são mais didáticas, explicativas, e os homens mais inflamados nas argumentações. “Em certo ponto essas mulheres também catalisam emoção nos julgamentos. Lidamos com vida e é inerente a isso tu te comover”, explica. Porém, no cargo em que está, Graziela diz que já se sentiu ofendida quando recebeu um elogio de ordem pessoal com o objetivo de desqualificar sua atuação profissional. “Foi um elogio revestido de julgamento sobre o meu trabalho”, aponta.

Segundo a promotora, os momentos mais difíceis são aqueles que definem com quem uma criança deve ficar. Outro ponto que pesa é a rotina com muitas horas dedicadas ao trabalho, pois em véspera de julgamento é preciso de muito estudo e concentração. “Tentamos blindar a família quanto aos problemas profissionais, mas também levamos trabalho pra casa”, conta.

Hoje em dia, qualquer pequena ameaça é levada a sério. “Um réu já tentou me agredir em uma audiência”, revela. Porém, há gratificações ao desempenhar um papel tão importante para a sociedade. “Quando a justiça é feita. Essa é a maior gratificação. Fazer justiça é dar a cada um o que é seu”, destaca.

Colega de Graziela, a promotora Daniela Tavares da Silva Tobaldini, 42 anos, escolheu a profissão por se identificar com a posição de agente na defesa da sociedade. Assumiu o cargo ainda jovem, aos 24 anos de idade. “Nesses mais de 18 anos de profissão entendo que cumpri meu dever, buscando sempre a aplicação da lei e a efetiva defesa da sociedade”, acredita.

Daniela Tobaldini é a 3ª Promotora de Justiça da Comarca de Montenegro

Segundo Daniela, ser homem ou mulher não gera diferença no modo de trabalhar. “Existem situações em que se exige do operador do Direito maior sensibilidade, como no âmbito da violência doméstica e dos crimes sexuais, mas essa virtude depende de qualidades pessoais que não dizem respeito somente ao gênero”, opina.

A promotora sempre admirou e teve como referência a Procuradora de Justiça Sonia Eliana Radin, com quem teve o prazer de trabalhar como estagiária no Ministério Público de Santa Maria. Daniela não teve que renunciar algo em virtude da profissão, mas teve que ter muito empenho e dedicação na preparação para o concurso de ingresso à carreira de Promotora de Justiça.

Ela também segue na linha de pensamento da colega Graziela. “As maiores dificuldades enfrentadas pelo Promotor de Justiça, na minha opinião, são os enfrentamentos às situações de negligência e quaisquer outras ações que envolvam crianças em situação de risco, quando muitas vezes somos obrigados a requerer o abrigamento dessas e a adotar outras medidas extremas”, finaliza.

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