SERÁ MESMO? Aplicação dos bloqueadores e eliminadores é questionável
Teve muito montenegrino apavorado com o valor da conta de água no último mês. E o aumento – justificado pela tradicional alta de consumo para a época – trouxe de volta uma discussão já relativamente antiga: a eficácia dos bloqueadores e dos eliminadores de ar instalados na rede.
Seriam eles o “santo remédio” para que o cliente deixe de pagar pelo ar que, supostamente, estaria passando pelo hidrômetro. Têm marcas prometendo uma economia de até 50% com a instalação dos itens. Têm municípios até aprovando leis que obrigam a utilização. Mas será que é isso tudo mesmo?
A lógica dos produtos
O eliminador tem uma válvula de escape que, como o próprio nome sugere, coloca o ar para fora da tubulação usando um flutuador. Ele precisa ser instalado antes do relógio de água, ou seja, na parte que, em Montenegro, é de responsabilidade da Corsan. Como não há regulamentação do Inmetro e não há testes oficiais que comprovem a eficácia – a estatal também garante que a passagem de ar é pontual, mas chegaremos a isso a seguir – a instalação do produto não é feita pela Companhia. Não há muito o que o montenegrino fazer, por enquanto, mesmo querendo optar pela utilização.
Mas com o bloqueador é diferente. Os fabricantes indicam que ele seja instalado depois do relógio, na parte da rede que é de responsabilidade do proprietário do imóvel. Dá pra encontrar eles de diferentes materiais e formatos, por preços que vão dos R$ 15,00 aos R$ 150,00. No geral, o produto atua por meio de um dispositivo de fechamento por mola, que bloqueia o fluxo de ar até uma determinada pressão (que não pode ser significativa, ou o ar passará de qualquer forma). O ar só é contabilizado pelo hidrômetro se ele estiver em movimento, por isso, ao ficar retido e sem passagem pelos canos, ele não será levado em conta.
Mas tem ar na conta dos montenegrinos?
A Corsan explica que sim, em alguns casos, mas em um volume que é quase insignificante. Conversamos com o chefe da unidade de Montenegro, Lutero Cassol, e ele explicou que a incidência do ar se dá quando são feitos reparos na rede; mas há toda uma sistemática para minimizar sua presença no abastecimento das residências.
É que quando ocorre um vazamento ou rompimento na rede de água, é preciso fechar um setor e secar as tubulações para que o buraco seja aberto e o reparo seja realizado. Para esse esvaziamento, a água vai sendo puxada dos ramais das residências – ocorre até do hidrômetro girar ao contrário, como se num desconto de consumo – e é quando ocorre a entrada do ar na tubulação do ramal.
Feito o conserto, Lutero conta que a água não é liberada logo de vez. A equipe vai, primeiro, nas pontas de rede para abrir os hidrantes. Essas são saídas que tem o mesmo diâmetro da rede – bem maiores do que as entradas dos ramais das residências. São através delas que, conforme a água vai sendo liberada, o ar e a turbidez vão sendo eliminados.
“A água vai indo e vai empurrando o ar, que vai sair sempre nas saídas maiores, que são os hidrantes. Pode ocorrer que uma pequena quantidade de ar se misture com a água e passe pelo hidrômetro, mas é muito insignificante”, garante o chefe de unidade.
Hoje, é cobrado R$ 5,61 para cada mil litros de água que abastecem as residências montenegrinas. Com pouca incidência de ar, o custo benefício de um bloqueador não regulamentado é questionável. “Se o produto fizesse diferença, as concessionárias de água estariam usando”, opina Lutero. “Se é em prol da comunidade, nós temos que fazer isso. Agora, não se pode instalar um equipamento sabendo que ele pode até trazer prejuízos ao usuário”. Falamos mais sobre esses possíveis prejuízos a seguir.
E se a minha conta diminuiu?
“Pare de pagar pelo ar na sua conta de água”, promete um dos muitos fabricantes dos bloqueadores por aí. Mas com a explicação da baixa ingerência do ar na cobrança em Montenegro, o que pode explicar a afirmação de quem viu suas tarifas, de fato, diminuírem? Tudo leva a crer que a resposta está no consumo.
Não que o consumidor tenha trabalhado para gastar menos. Mas é que a instalação dos bloqueadores também diminui a pressão da água que chega à residência. Essa foi a conclusão de um estudo da Universidade de Brasília, focado em itens do tipo: o produto pensado para bloquear o ar, bloqueia, também, a própria água que chegaria ao cliente.
Tudo bem quando os moradores usam só uma torneira por vez e tem baixo consumo. Mas usando o chuveiro, a máquina de lavar e a pia da cozinha ao mesmo tempo – isso é fácil de acontecer em qualquer casa – haverá prejuízos com o uso do bloqueador. “Essa peça pode provocar falta de água, porque a pressão da rede oscila”, explica Lutero. “Se a vazão da casa está no limite, no momento em que ela faz essa instalação, ela vai ter um prejuízo”.
Quando há falta d’água, a tendência é que residências com bloqueadores também demorem mais para ter o abastecimento “normalizado”. Há também a possibilidade de contaminações com o uso dos itens, o que pode acarretar em um problema série. Vai de cada um, mas há formas mais inteligentes (e até baratas) de poupar.
O que diz o Inmetro – Com o aumento da procura, a Corsan fez uma consulta formal ao Inmetro sobre o uso dos itens. Através do ofício 84/2019 e da Nota Técnica 49/2019, a entidade oficializou que não existe regulamentação, normativas, portarias ou certificações para fabricação ou venda de bloqueadores e eliminadores de ar. São previstas até penalidades quando identificada a instalação junto ao medidor.
Discussão chega à Câmara nesta quinta
Conclusões à parte, o vereador Talis Ferreira (PL) já anunciou que vai apresentar na Câmara de Vereadores nesta quinta-feira, 6, um projeto de lei exigindo que a Corsan faça a instalação de eliminadores de ar nas tubulações (não bloqueadores). Contrariando o Inmetro e a posição da estatal sobre os equipamentos, a proposta institui que, se solicitado pelo consumidor, o item seja instalado antes do hidrômetro da residência. O custo disso ficaria a cargo da Corsan e é previsto o prazo de 60 dias para o atendimento da solicitação.
“Todos sabemos que os problemas nas redes da Corsan em Montenegro são constantes”, justificou o vereador. Já há municípios onde tal regulamentação foi tornada oficial. A “ideia” foi divulgada por Talis nas redes sociais e vem gerando grande repercussão antes de chegar ao Legislativo.
O Procon critica a situação. “É inadmissível que uma figura pública aja dessa forma”, coloca o secretário executivo da entidade, Fabio Barbosa. “A ação de divulgar isso em redes sociais incita o consumidor sobre uma situação impossível de ser feita. Isso é prejudicial para a relação de consumo entre a comunidade e a Corsan”. O não esclarecimento, especialmente da falta de regulamentação e a possibilidade de contaminações da água, Barbosa destaca, são os principais agravantes.
Apenas a divulgação do projeto de lei já levou gente à Corsan para cobrar a instalação.