Diferentes histórias e o mesmo desafio: deixar os filhos sob os cuidados de outras mulheres
A entrada das mulheres no mercado de trabalho tem refletido em diversas mudanças na sociedade. Para ganhar espaço no mundo corporativo, muitas delas dividem a rotina entre o emprego, casa e os cuidados com a família. No entanto, para conciliar a jornada intensa, algumas contam com o apoio das creches e a dedicação de outras mulheres no processo de desenvolvimento e criação dos seus filhos.
Com a inserção das crianças na creche, o rompimento dos laços afetivos entre mães e filhos pode ser um período difícil para todos os envolvidos. Para aquelas que encaram o fim da licença-maternidade, a situação é ainda mais complexa e envolve sentimentos de dor, saudade, insegurança e medo de deixar o filho em um ambiente diferente.
A transmissão de confiança é a principal chave de todo processo, explica a assistente de escola da Emei Santo Antônio, Carla Berg. “O carinho e dedicação pelas crianças é extremamente importante, além da boa recepção dos pais e a transmissão da confiança de que seus filhos serão bem cuidados. Dessa forma, nós tentamos suprir o afeto que a família iria transmitir, e buscamos oferecer conforto e aconchego para o bebê, que acaba criando vínculo conosco”, comenta ela, que se dedica à instituição há 23 anos.
Enquanto a assistente de escola trabalha no processo de adaptação das crianças dentro da creche, por outro lado, muitas mães e filhos enfrentam o desafio físico e emocional de ficarem horas distantes um do outro. É o que acontece com a bancária Michele Fabiani de Carvalho Vargas, mãe do pequeno Luís Filipe, hoje com 1 ano e 4 meses.
“No início, foi algo muito difícil deixar ele. No período de adaptação, as tias diziam para que eu fosse para casa e voltasse em 2 ou 3 horas para buscá-lo, mas eu nunca conseguia ir, pois tinha medo de que ele fosse chorar e precisar de algo. Deu uma dor no coração voltar ao trabalho e deixar ele com pessoas que, para nós, eram estranhos”, revela, acrescentando que ela e o filho logo se adaptaram. “As professoras e tias da creche acabam tendo uma relação de carinho muito forte com as crianças. Vejo que ele é muito bem cuidado, além de se desenvolver muito, em virtude de estar com outras crianças e das atividades da sala. ”
O carinho e afeto faz parte da rotina de ambas mulheres. Ao mesmo tempo em que Michele trabalha e gerencia sua carreira profissional, Carla, que também é mãe, cuida do pequeno Felipe, e revela que a profissão já lhe proporcionou momentos marcantes. “No momento que você cria o vínculo com a família, ela vai indo e adquire confiança que permanece em todas as salas depois”, diz a assistente de escola.
“Tem mães que passam pelo corredor e atiram beijos, dizem que estão com saudades e já aconteceu também de nós termos filhos de alunos que foram nossos pequenos”, recorda Carla, emocionada. “A avó e o pai vieram trazer o bebê e, quando abriram a porta, descobriram que eu ainda trabalhava aqui e ficaram positivamente surpresos. Lembro que ela [a avó] disse que eu cuidei do filho e que agora cuidaria do neto, acrescentando que ele estaria em boas mãos, e isso me tocou muito.”
“Estamos sentindo a evolução do papel paterno”, diz assistente da Emei
Durante os 23 anos atuando na creche, a assistente de escola conta que tem notado algumas mudanças de comportamento. “Ao longo desses anos, nós temos observado que os pais têm assumido cada vez mais os cuidados com as crianças e estão mais participativos no processo de educação dos filhos, trazendo, buscando e perguntando como foi o dia deles na escola”, aponta Carla. “Estamos sentindo a evolução do papel paterno.”
Para Michele, que divide a rotina de responsabilidades com o marido, essa mudança só é possível através de transformações sociais. “Hoje compartilhamos os cuidados e a educação do Luís Filipe juntos, por amor, com certeza, mas também vejo que muito disso acontece pela educação e responsabilidade do meu esposo, e também pelo fato de que eu também trabalho fora, assim como ele, então ambos possuem muitos compromissos, ambos trabalhamos fora para manter a casa, e por isso precisamos nos ajudar”, conclui a bancária.
Primeiros passos
Atualmente, a assistente de escola Carla Berg trabalha com crianças do berçário II, com idade entre 1 a 2 anos, mas conta que já trabalhou boa parte de sua profissão com bebês do berçário l, a partir dos 4 meses de vida, o que ela chama de “primeira porta de entrada na creche”. Com tantos anos de experiência, inevitavelmente ela fez parte de vários momentos importantes na vida dos pequenos alunos. “Eu pude acompanhar várias crianças dando os primeiros passos com a gente, e quando contamos para as mães elas choram emocionadas. É lindo”, revela Carla.
“Nós tentamos fazer o máximo, mas nada substitui o carinho da mãe e do pai, por isso, a escola e a família são muito importantes na formação das crianças e devem caminhar juntas”, enfatiza a assistente de escola. “Eu sou mãe, e sei que o amor que criamos com os nossos filhos é algo sublime.”
Preço da independência
Apesar de conquistas importantes, as mulheres ainda caminham em marcha lenta para reparar desigualdades históricas entre os sexos. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2017 o salário médio pago às mulheres foi apenas 77,5% do rendimento pago aos homens no Brasil. Enquanto eles receberam R$ 2.410, elas ganharam R$1.868. A porcentagem ficou levemente acima da registrada em 2016 (77,2%).
Além da disparidade econômica, os números escondem outro problema ao ponto que se leve em conta diferentes raças e o nível de escolaridade. Por trás da corrida pela independência financeira, muitas acabam abrindo mão da maternidade ou encaram o desafio de serem mães e assumem jornadas de trabalho muitas vezes dupla ou tripla.
“Trabalho há doze anos em uma empresa e em momento algum pensei em parar, pois estudei e fiz pós-graduação sempre pensando em ter uma carreira, e hoje não me visualizo dependendo de alguém financeiramente”, disse Michele, que conta com o apoio outras mulheres desde o filho entrou na creche aos 4 meses de vida . “Me aperta o peito quando saio e às vezes ele fica chorando.”
A pesquisa “Trabalho de Mulher: Mães, Crianças e a Crise na Assistência à Infância”, realizada pela think-tank britânica Overseas Development Institute (ODI), afirma que as mulheres no mundo inteiro passam mais tempo do que os homens em atividades domésticas não remuneradas, principalmente no cuidado com os filhos. Além do lado emocional e educativo, o trabalho não remunerado de atenção à criança representa 10 bilhões de dólares perdidos por ano, o que reflete todas essas desigualdades: de gênero, econômica, de tempo e de oportunidades.