Celebração da Páscoa une história, liturgia e valores humanos

COM RAÍZES RELIGIOSAS profundas, a Páscoa atravessou milênios, transformando-se em uma celebração com símbolos e significados diversos ao redor do mundo

A Páscoa tem origem na tradição judaica, sendo chamada dePessach (passagem), e relembra a libertação do povo hebreu da escravidão no Egito, conforme narrado no livro do Êxodo, no Antigo Testamento. A celebração ocorre no início da primavera no hemisfério norte, entre março e abril, marcando também a renovação da vida.

Séculos mais tarde, a data passou a ter novo significado para os cristãos. De acordo com os Evangelhos do Novo Testamento, foi durante o período da Páscoa judaica que Jesus Cristo foi crucificado, morreu e ressuscitou no terceiro dia. Por isso, para o cristianismo, a Páscoa representa a vitória sobre a morte e o renascimento espiritual.

No século IV, com a oficialização do cristianismo como religião do Império Romano, o Concílio de Niceia (325 d.C.) determinou que a Páscoa cristã fosse celebrada no primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio de primavera, fórmula que ainda é usada para definir a data.

A celebração foi incorporando elementos culturais e religiosos de diferentes regiões. Em muitos países, as cerimônias litúrgicas da Semana Santa, que antecede a Páscoa, incluem procissões, encenações da Paixão de Cristo e vigílias.

Páscoa no Brasil: fé, tradição e comércio

No Brasil, a Páscoa é celebrada tanto com forte presença religiosa quanto com atividades populares e comerciais. Em cidades como Ouro Preto (MG), Nova Jerusalém (PE) e Imigrantes (RS), grandes encenações da Paixão de Cristo atraem milhares de visitantes. Nas escolas e famílias, o coelhinho e os ovos de chocolate fazem parte do imaginário infantil.

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates (Abicab), em 2024 foram produzidas mais de 9 mil toneladas de ovos de Páscoa, movimentando o comércio e impulsionando as vendas no setor alimentício.

Mais do que uma data religiosa ou comercial, a Páscoa é, em essência, um momento de renovação e esperança. Seja pelas tradições cristãs da ressurreição, pelas memórias judaicas de liberdade ou pelas manifestações culturais, o feriado reúne celebrações que atravessam séculos, misturando espiritualidade, história e afetos.

Dom Carlos Rômulo, bispo da Diocese de Montenegro

Dom Carlos ressalta papel da Páscoa na vivência da fé e da solidariedade

A Páscoa é o centro da fé cristã, conforme explica Dom Carlos Rômulo, bispo da Diocese de Montenegro. Segundo ele, a celebração da Semana Santa é o coração da vida litúrgica da Igreja e representa o momento em que se recorda o mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo, fundamento da experiência cristã.

“A Semana Santa começa no Domingo de Ramos e vai até o Domingo da Ressurreição, o Domingo da Paz”, afirma o bispo. “É uma semana santa porque nela celebramos o mistério que dá origem à fé cristã, ao nascimento da Igreja e ao batismo de cada fiel.”

Dom Carlos destaca que a celebração pascal é única no calendário litúrgico. “Ela é celebrada uma vez por ano para que seja vivida de forma pausada, catequética, com tempo para aprofundar os significados de cada momento e de cada gesto”, diz. Assim, essa estrutura favorece a compreensão do simbolismo da liturgia e permite a vivência concreta dos ensinamentos de Cristo.

Na Quinta-feira Santa, por exemplo, ao se celebrar a instituição da Eucaristia, a Igreja também recorda o gesto do lava-pés, relatado no Evangelho de João. “Ali, Jesus entrega seu corpo e lava os pés dos discípulos como sinal de doação e serviço. É um gesto eucarístico, que nos ensina que o que é celebrado deve ser também vivido”, explica.

Para o bispo, a celebração pascal também convida à solidariedade e à compaixão, especialmente diante dos desafios sociais. “Aquilo que celebramos sacramentalmente precisa ser expresso na vida cotidiana. Existe uma ligação profunda entre liturgia e vida.”

Dom Carlos reconhece que, além do aspecto litúrgico, a Páscoa também é um tempo significativo para as famílias e para a cultura popular. “Há muitas expressões culturais e sociais nesse tempo, e valorizamos essas manifestações, pois Deus age em todos os lugares.”

Finalizando sua reflexão, o bispo convida os fiéis a renovarem a busca pela espiritualidade e pelos valores fundamentais da fé. “Se não voltamos à fonte, corremos o risco de repetir gestos sem sentido. A missão da Igreja e da sociedade é buscar esses valores que dão sentido à festa e à vida.”

Origem de uma tradição: o surgimento dos ovos como símbolo

O uso de ovos como símbolo remonta a culturas antigas, anteriores ao cristianismo. Civilizações como as do Egito, da Pérsia e da Mesopotâmia já associavam o ovo à criação e ao renascimento. Nessas tradições, o ovo representava o ciclo da vida, sendo usado em rituais e celebrações ligados à fertilidade e à renovação.

Com o passar do tempo, esses costumes foram incorporados a outras práticas culturais. Povos germânicos e anglo-saxões celebravam o equinócio da primavera em homenagem a Eostre, deusa da fertilidade. A divindade era associada a elementos da natureza e ao renascimento da terra após o inverno. O coelho e o ovo, animais e objetos ligados à reprodução e à vida, tornaram-se seus símbolos.

Durante a Idade Média, os ovos começaram a adquirir um novo papel social. Era comum que fossem decorados e trocados como presentes entre famílias. A prática possuía conotação simbólica e, em alguns contextos, era associada ao fim da Quaresma, período em que o consumo de ovos era evitado por parte dos cristãos europeus. Ao final do jejum, eles eram cozidos e ofertados como forma de celebração.

A partir do século XVIII, a tradição passou por transformações. Confeiteiros franceses começaram a produzir ovos comestíveis feitos de açúcar e, mais tarde, de chocolate. Com o avanço da Revolução Industrial no século XIX, o processo de fabricação foi mecanizado, e os ovos de chocolate passaram a ser produzidos em escala comercial. A prática se espalhou por países da Europa e, posteriormente, chegou às Américas.

Embora os significados religiosos tenham mudado ao longo do tempo, a presença do ovo como símbolo permanece. Inicialmente ligado a crenças pagãs e ao ciclo da natureza, o objeto se adaptou a diferentes contextos culturais e religiosos, atravessando séculos até se tornar um elemento recorrente em celebrações contemporâneas.

Curiosidades da Páscoa pelo mundo

•Na Grécia, a Páscoa Ortodoxa inclui a tradição de pintar ovos de vermelho, simbolizando o sangue de Cristo.
•Na Noruega, é comum ler romances policiais durante a Semana Santa, em um costume chamado Påskekrim.
•Em Israel, o Pessach é celebrado com uma ceia ritual chamada Sêder, onde se lê a história da libertação do Egito.
•Na Ucrânia, centenas de anos antes da era cristã já se trocavam ovos pintados com motivos de natureza – lá eles têm até nome, pêssanka – em celebração à chegada da primavera
•Em alguns países da Europa, como a Suécia, crianças se vestem como “bruxinhas de Páscoa”, trocando desenhos por doces.

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