O que é isto, um homem triste? Porventura é um homem que perdeu o rumo da vida, o objetivo, o sentido da existência? A mulher amada? O que é um homem triste? É um cara sem paixões ou um cara com paixões impossíveis? Um homem triste é aquele que veio vindo, veio vindo, caminhando, tropeçando, caindo, levantando e depois se deparou com o nada? Ao fim do rastilho, não havia um bomba para explodir?
Ou o homem triste é aquele que construiu uma vasta história, sua e de seu tempo, e viu ambas ou uma delas, pelo menos, retroceder a ponto de nada ter valido a pena? O homem triste é aquele que vê a histeria coletiva tomar conta da razão, da paz e da tolerância? Ou aquele que faz parte da histeria e alimenta a beligerância gratuita?
O homem triste é aquele que descobre que seu sacrifício não valeu a pena. O homem triste é aquele que vê que seu tempo não foi capaz de extirpar o mal. O homem triste é aquele que descobre que parte do mal ele alimenta e mesmo ajuda a manter vivo e forte. O homem triste é aquele que entrega aos filhos um tempo pior do que herdou.
O homem triste é aquele que viu sua alma morrer muito antes de seu corpo. Que só percebeu no final que um câncer não corroía nenhum órgão vital, mas fazia metástases de seu espírito com o que há de pior no mundo e justo em seus momentos de maior euforia. O homem triste é aquele que mesquinhava o amor e se sentia feliz e realizado plantando as sementes da robusta árvore do ódio sob a sombra da qual agora descansa, cansado da alegria efêmera de sua ferocidade doentia e de seus frutos azedos e tristes.
O homem triste deita a cabeça sobre a própria vilania e tenta dormir, contando o número daqueles que destruiu de forma vil.
O homem triste tenta colocar seus mortos num lugar nobre. Mas não há um lugar nobre para nossos mortos. Só há cemitérios, carne putrefata e ossos. Não há nobreza nem em quem mata nem em quem morre. Só há as pessoas tristes que matam e que morrem, todos tristes da própria peçonha.
Inventamos um monte de coisas para disfarçar a tristeza. Inventamos Deus, um sentido para a vida. Inventamos o amor, que às vezes nos torna ainda mais tristes. Inventamos as aparências e a felicidade. Porém nada esconde definitivamente o homem triste.
O homem triste está à mercê de todos. É nosso vizinho, nosso amigo do peito, o dono do armazém. O colega de trabalho tão dedicado é um homem triste. Nós nos tocamos todos os dias, apertamos as mãos, damos bom dia, elogiamos conquistas. Todas as manhãs nos vemos no espelho lavando o rosto. Os olhos dizem: eu sou um homem triste. Mas não dizemos nada. Este é um assunto para os olhos. Os olhos gritam. Mas quem os ouve?
O homem triste elege culpados. Seu fracasso não é de sua responsabilidade. Crê que seus concidadãos encarnam a causa de sua tristeza e tragédia. Neste andar, destrói aqueles poucos que o compreenderiam e dariam alguma dignidade à sua tristeza. A tristeza não ilumina suas raízes. A vida é a eterna luta entre homens tristes e por isso buscamos uma salvação depois dela e por isso a entregamos a homens ainda mais tristes do que nós.
Quando morre um homem triste, sua tristeza não morre com ele. Ela é nossa, minha e tua. Nossa sombra nublada e fria. A beleza de uma possível vida ensolarada e quente não engana um homem triste.
O que temos feito nestes últimos tempos, estamos fazendo porque somos homens tristes ensandecidos pela própria tristeza.