Há muitos lugares no mundo. Alguns reais, outros imaginários. A alguns pertencemos. De outros nos distanciamos. Porém é certo que a completude da vida passa por pertencermos o mais profundamente possível aos lugares aonde vivemos, ou aos que imaginamos. Pertencer à casa que nos abriga, à escola que nos ensina, à cidade em que vivemos, cujos rostos familiares pertencem conosco a estes lugares e buscam fazer deles lugares onde possamos nos completar, é um processo que dura a vida toda.
Pertencer é uma palavra cujo sentido é complexo. Não basta estar ali, presente, se junto não estiverem nossa mente e nosso espírito. Para pertencer, é preciso também que se possa ser o que se é e permitir que os outros sejam o que são. Pertencer a um lugar é um fenômeno de partilha e de individualidade ao mesmo tempo. Pertencer a um lugar significa transformá-lo num enorme sorriso, numa alegria contagiante, é semear seu solo de harmonia e beleza.
Por isso, não é tão fácil pertencer a algum lugar. Por isso, muitas vezes, vamos embora.
E há todos estes vastos lugares que parecem a lugar-nenhum. Estes lugares quentes e úmidos onde a gente quer instalar o coração, a alma. Aquele lugar imaginário, pátria destas coisas sem peso e sem forma, mas que são avassaladoras e que precisam também pertencer. Sentimentos são posseiros invasores e às vezes cruéis. E mesmo que pertencer a alguém esteja longe de significar posse, todo colo, todo regaço, todo coração são um mundo a que queremos muito pertencer.
Quando a gente pertence a um mundo, a uma realidade, a alguém, derrama-se de nós, do pote mágico da nossa existência, um líquido viscoso, denso, que nos gruda à vida. Há um arco-íris em cada um de nós e o pertencimento é pote de ouro no final; o que nos tornamos para quem nossa vida é o seu mundo.
Cada vez que alguém diz “Eu te amo!”, ele busca pertencer. Cada vez que alguém ouve “Eu te amo!”, a um mundo ele já pertence. E sempre há quem diga “eu te amo” a alguém com sinceridade necessária e alguém que ouve com a alegria, o prazer e a poesia precisas.
Quando alguém professa a alguém ou a algum lugar “Eu sou teu”, não está fazendo papel de escravo. Está dizendo ao universo que é feliz servindo ao que acredita ser uma vida plena. O que isto significa para si pode não ser o que significa para os outros. Mas é o que lhe basta. Entregar a alma a um coração que bate em frenesi por ela; entregar o melhor de si, do seu trabalho, de sua criatividade à sua pequena aldeia, eis o pertencimento em sua plenitude.
Não é possível pertencer e ser raso. Não possível pertencer pela metade. Quando isso ocorre, o mundo parte da gente mesmo antes da gente partir dele. E se é verdade que pertencer é ir cada vez mais fundo, vezes há em que, para ser feliz, é preciso dar meia volta e andarilhar, mesmo que a alma sufoque as lágrimas; mesmo que o coração tropece em suas próprias batidas.
A vida é um eterno jogo de pertencer e depois mudar de ideia e despertencer. Esse jogo não é ruim nem bom. É só o jogo que faz parte da aleatoriedade natural da existência. E ele vai existir enquanto for gente quem decida o que é ser gente. E nesse passo, a mão calma segura a mão que desespera porque pertencer à humanidade, a um mundo justo, é quando ninguém larga a mão de ninguém.