Para viver um grande amor

Nada mais raro que um grande amor. Se ele bater à sua porta, largue tudo que você estiver fazendo. Largue tudo que você tiver. Largue tudo.
É sutil o seu chamado, quando não confuso. É preciso estar atento. Vamos supor que você seja um músico. Alguém pode chegar e dizer: que música linda que você tocou. Ou: nossa, seu repertório é horrível. Em qualquer destas situações, pode ser seu grande amor se insinuando.

Viver um grande amor é uma escolha única, irrefreável e irrecorrível apesar de haver os que desistem de vivê-lo. Os que não têm coragem de enfrentar suas agruras e os ingênuos, que nem o percebem. É provável que a vida lhe dê a oportunidade para viver um. Amorecos não contam. Falo de um grande amor. Pegou, pegou. Não pegou, não pega mais.

Não é fácil viver um grande amor. A primeira coisa que se perde é a paz. A paz é para os cândidos. Um grande amor é sempre o palco de uma guerra. A começar pelo ciúme, depois vem o medo de perder, o medo de não achar-se à altura. O medo de permitir. Há poucas coisas mais dolorosas do que permitir. O medo que termine. O medo. Um grande amor é sempre grande demais para qualquer das partes. Não é para fracos.

E, o pior: ao encontrá-lo, é preciso ser capaz de esquecer todo o resto. Não sentir remorso. Não olhar para trás. Perder as ilusões e vê-lo como ele realmente é – um pecado – e achar isto lindo.

Se você quer viver um grande amor (e deveria querer), daqueles que fazem emagrecer, que lhe adoecem; daqueles que colocam dilemas morais irreconciliáveis, daqueles que jogam verdades na sarjeta, que fazem trair convicções, amizades de trinta anos, saiba que a vida oferece. A vida é um prato fundo de oferecimentos.

Um grande amor pode durar pouco. Uma tarde, algumas semanas, meio ano. Não deixará de ser um grande amor por isso. Um grande amor não tem prazo de validade. Mas pode, sim, durar uma vida.

Paixão intensa renovável. A cada dia uma nova pessoa sendo a mesma pessoa. Admirável. Não há amor fora do encanto que a admiração proporciona.Um grande amor é um caldo de cultura onde proliferam desde bactérias mortais até os mais sublimes tremores, a poesia de roçar osseios dela de passagem, meio que sem querer, na hora em que ela cozinha. Não há uma fórmula, mas há uma química. Há cheiros, há gostos, há pelos e peles. É preciso alimentar este caldo. Potes de ternura à vontade. Doçura a gosto. O sal e o ácido já fazem parte do molho.

Se você vive ou viveu um grande amor, sinta-se um privilegiado. A maioria de nós vive somente os pequenos amores necessários para evitar a solidão, juntar renda para edificar uma casa e gerar filhos. Grandes amores são raros, como bons poetas ou músicos talentosos. Por isso, valem tanto e são tão mortais.
Viver um grande amor significa criar o que não existe. Mesmo sem abraço, o enlaço. Um dia longe, saudade de séculos. Preste atenção: se seus olhos enxaguarem seu cérebro de hormônios do prazer quando a vir; se suas mãos ouvirem o tremor do corpo dela; se ela beija com a sede desesperada que diz “minha vida é um deserto seco sem ti”, fique atento: é um grande amor. Se, para você, pronunciar o nome dela é tão urgente quanto um rio de corredeiras esperando por sua travessia, é um grande amor.

Atente aos sinais. Se ela é para ti o anúncio de uma tragédia, é um grande amor. Um grande amor nunca é burocrata. Mas você pode ser. Ou ela. E se você é um burocrata ou ela, foi-se o amor, a vida, foi-se o risco da graça de tudo.

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