O que perderei por haver morrido

O ser humano se fez no vagar das coisas. Tudo na História do homem se construiu levando-se em conta não horas ou dias, mas milhares de anos. A ponto de lermos no Eclesiastes: “Não há nada de novo debaixo do sol, e ninguém pode dizer: Eis aqui uma coisa nova, porque ela já houve nos séculos que se passaram antes de nós”.
Por séculos e séculos as pessoas mantinham os mesmos valores, as mesmas crenças, faziam as coisas da mesma maneira. Mudar uma verdade, um modo de ver ou interferir no mundo era uma coisa que levava várias gerações para acontecer. Daí tudo parecer repetitivo e já acontecido. Não havia espaço na mente humana para saltos bruscos. E, portanto, ninguém pensava no que não fosse ver ou conhecer por conta da morte. Não havia fantasias com o futuro. Mas hoje o que não nos falta é fantasia. E ninguém mais parte em paz, porque o futuro não é mais um deserto.
Para os que veem o futuro de uma forma pessimista, ele será insano. O aquecimento global tornará grande parte do planeta estéril; as pessoas serão como máquinas, com o pensamento dirigido por mentiras e misticismos rasteiros disparados por algoritmos via whatsapp ou similar. Os avanços tecnológicos sobre o emprego gerará multidões de desempregados, o que justificará a imposição de um estado policial cruel e assassino. Robôs tomarão o lugar das pessoas.
Já para o viés otimista, o futuro será um oásis de oportunidades. Cidades serão erguidas sobre os escombros de um planeta ressequido. Novos empregos impensáveis surgirão e relações entre trabalho e capital terão que se adaptar. Aprenderemos a ver nas flores de plástico algum encanto. Haverá tele transporte, amigos robôs, sinceros e leais. Viajaremos o universo e compreenderemos como genes, vírus e bactérias trabalharam juntos para criar a fantástica máquina da vida.
E tão surpreendentes fantasias talvez nem precisem de mais do que uma ou duas gerações para se fazeremreais. Algumas já estão no ovo, como o fim das relações trabalhistas da maneira como as conhecemos.
Para um cérebro acostumado a levar séculos para sedimentar uma verdade, mudanças tão rápidas além de nos causar terror, nem sempre são assimiladas.
O certo é que, pessimistas ou otimistas em relação ao futuro, perderemos de ver grandes revoluções nos costumes, no cotidiano, no trabalho, no planeta. É muito provável que o futuro seja uma miscelânea de contribuições pessimistas e otimistas e que aqueles que tiverem a sorte (ou o azar) de estarem presentes nele terão a responsabilidade de mediar o bem e o mal, como temos feito aqui, até agora. E se o mal vencer, como agora, só nos resta desejar que depois dele aindasobreviva um mundo a ser conquistado e onde se possa resgatar os melhores valores que levamos milhões de anos para formar: paz, amor, tolerância e inteligência.
Nossa geração que está em vias de partir viveu por certo um mundo louco. E neste momento,vemos o inicio de nova loucura que não podemos medir. Somos incapazes de perceber a grandiosidade revolucionária do presente e as tragédias embutidas em nossas decisões.
Para quem vai ficar, desejo sorte. Sei que perderei muito. Já estou perdendo em vida. Tenhamos em mente que um novo amanhecer reescreve o livro do Eclesiastes todos dias e que haja no futuro sempre algo novo sob o sol. Para o bem ou para o mal.

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