O que leva um homem ao seu fim

Há quem pense que seja o tempo. O número finito de passos a que um homem tem direito. Porém, o abismo que se escancara; o que leva o homem ao seu fim é o que o consome, o animal que mora dentro do tempo e que o devora; é o que seus sapatos vão deixando pelo caminho. O que leva um homem ao seu fim são os pedaços de si mesmo que tem que dar aos monstros de seus dias, todos os dias, para poder levar os seus dias. É o que seus pés entregam à terra, a cada passo, pelo direito de caminhar.
Há quem pense que o que leva um homem ao seu fim são suas agruras e suas tristezas. Na verdade, cada alegria e cada momento único de prazer lúdico também cobram o preço: o preço de serem passageiros como um perfume lançado na brisa, como o frêmito do desejo diante da nudez do seu amor. A brevidade do que é bom é mais um monstro cruel que o açoita e o flagela.
O que leva um homem ao seu fim são suas impotências: a familiar, a social, a financeira, a sexual. A impotência diante de seus talentos que não pode desenvolver; a impotência diante de seus fracassos que não pode evitar. Sua indecisão em ficar ou em partir; em amar ou odiar. Sua decisão de viver mais consigo mesmo do que com os outros; sua decisão em entregar sua vida aos outros e esquecer de si. Em cada uma destas encruzilhadas, mora uma culpa. Independente da opção, uma delas devorará nacos de sua alma. E com cada vez menos alma, ruma ao futuro que a exige cada vez mais.
Vergado tanto pelo peso dos equívocos quanto pelo dos acertos, segue cabisbaixo entregando ao tempo o melhor de si enquanto o tempo lhe dá de troco ilusões e mentiras. Cada hora é uma piada; cada ano, uma sátira sobre marionetes. Ri. Quando se dá conta, está seco de tanto rir de si mesmo. E só quando escorrem as primeiras lágrimas de remorso por tudo que perdeu e por tudo que ganhou, é que ele vê, enfim, que o que perdeu e o que ganhou trabalharam juntos em prol de sua decadência.
O fim não se contenta em levar um homem até ele. Em pouco mais de cem anos, devasta também sua memória. Logo, além de chegar ao fim, um homem também se torna um ninguém. A suave fragrância da existência, de ter sido alguém para alguém, fenece como um delicado amor-perfeito em um vaso. Toda glória e todo o fracasso tinham fome dele e o devoraram aos poucos. E o fim não é glória, não é fracasso. O fim é só o fim. Tudo é em seu nome. Só o fim cabe em si mesmo e abarca todo o resto. O verdadeiro deus por trás de todos os deuses.
O que leva um homem ao seu fim são as trágicas visões que tem do horizonte. Sempre crê que há algum em frente. Acha que, se alcançá-lo, o fim se justifica. Por isso, caminha e caminha. E o horizonte lá, parado, é sempre só um horizonte. Nada mais. E nessa corrida até o ele, o fim sempre chega antes.
O que leva um homem ao seu fim são tanto seus amores quanto seus horrores. Suas vontades, ora de cadáveres, ora de borboletas e vagalumes. Quando lúcido, morre de amor; quando louco, abre mão do amor e decide ser um homem comum. Não há diferença.
Se é verdade que a vida não passa de uma sinfonia sobre a solidão, só há uma forma de ser altivo e nobre diante do fim. Só há um nó que nos desamarra, que nos torna incomuns diante da inexistência, mesmo que permaneçamos comuns em todo o resto. O fim é inexorável. Nada do que se faça, fará diferença.
A não ser olhar com indiferença para o que o fim faça de nós.

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