O que é o amor, onde vai dar?

Zygmunt Bauman disse que em nossos tempos modernos, o amor virou líquido, uma mercadoria. Os laços se tornaram mais frágeis, as relações mais relativas e insubstanciais. Se isso é bom ou é mau, não sei. Depende do que antes fazia o amor ser sólido. Se o que fazia sólido eram as forças das aparências, que dizer? Que se liquefaça! E pelo andar das coisas, em breve talvez evapore.

De qualquer forma, do que quero falar não é sobre o que liquefaz o amor. Quero falar de um mistério: o que o torna belo, forte, poético? Por que, durante nossa longa vida, fazemos investimentos afetivos em tão poucas pessoas? Pouquíssimas são as pessoas a quem dedicamos nossos melhores sentimentos, nossos mais ardorosos desejos, nossos mais ardentes quereres. Às vezes é uma única, a vida inteira.

Não deixa de ser poético o fato de o corpo criar mais dopamina, serotonina e tantos produtos químicos que encharcam nosso cérebro na presença de quem amamos como para dizer: é esta aí! Há nisso uma explicação ou é um jogo aleatório, como se as cartas caíssem em nossa mão por sorte ou por azar?

Por que nosso cérebro gera hormônios tão eficazes em nos dar prazer, conforto e paz com determinadas pessoas e não com outras? E por que gera outros que nos enciúmam, que nos tornam agressivos e que nos fazem odiar aquela em quem antes tanto investimos sentimento, mas que nos deu um pé na bunda?
Por mais que creiamos que o amor tenha um grande componente biológico; que ele está ligado ao nosso processo evolutivo, também é importante constatar que a componente cultural, a maneira como a sociedade estruturou as relações pessoais e familiares também tem seu peso, que não é pequeno.

Lembremo-nos de Bauman: se o amor está se tornando líquido é porque antes ele era outra coisa.

Mas voltando ao mistério: por que investi tanto sentimento nela? Foi o cheiro? A beleza? A inteligência? A química de sua pele ao tocar a minha? Seu hálito? Por que eu te amo? E pior: por que eu te amo tanto?

E as perguntas ainda mais complexas: como tu me amas? Como que te causo tanta coisa boa pra tu resolveres viver tua vida comigo?

Tantas questões e tão parcas e ineficazes respostas só podem gerar mistérios. E mistérios são cativantes. Há quem diga que o grande mistério são os outros. Talvez o que não conseguimos ver no outro seja o que nos atraia, e não o que é espelho de sua alma. Talvez desvendar o mistério que há no outro torne o amor líquido. A solidez de um romance pode estar justamente naquilo que permanece indecifrável; o fato de haver sempre o que procurar e encontrar.

O que é certo é que admiração antecede o amor. Admirar significa muitas coisas. E todas estas coisas que o admirar significa nos fazem levar em frente as danças da conquista. Como fazem os passarinhos coloridos, como fazem os carnívoros brutamontes. Tudo na vida é uma dança em busca de quem dispare nossa produção de hormônios do prazer e da felicidade.

É por isso que desde que te conheço, eu te amo. É por que te admiro! E também por que algum mistério teu ainda não desvendei. E se se tornar líquido este amor, beberei dele até me afogar embriagado. Se evaporar, vou chover dele.

Se o destino me deu cartas marcadas eu não sei. Mas se tudo o que fomos virar líquido, me desague no mar.

Últimas Notícias

Destaques