O lado negro do paraíso

Não, não vou plagiar o enredo da nova novela da Globo, até porque não assisto. Mas o título é muito bom. Dei uma mudadinha nele pra entrar num clima de “darkside”, mas paraíso é sempre um tema cativante. Por inalcançável, por inexistente, por ser uma ficção criada pelas boas – e más – intenções humanas. O paraíso é como o horizonte: podemos correr atrás dele, mas nunca o alcançaremos.
Como está fora do alcance, criamos mitos: há quem creia que a morte seja a linha que nos separa dele. Já que é tão difícil criar um paraíso na Terra por conta das imperfeições humanas, que se semeie um depois da morte. Mas, cá entre nós, não é nada provável. Se é que teria graça morar num. Já sentimos o tédio que abate aqueles que não têm nada pelo que lutar. Como ensinam os antigos, o ócio é o jardim do Diabo. Portanto: quem quer um paraíso desses?
E foi Eva quem teve a sacação: deu uma bicada numa “inocente maçã que, tão doce, úmida e eleita, nos tirou do paraíso” como cantou o poeta, e acabou com nossa inocência. E que belo gesto! Foi Eva quem nos livrou do ócio de ganhar tudo de mão beijada. Eva nos libertou de coçar o saco a eternidade inteira. Que mulher!
Não que não devamos buscar o paraíso. O problema é: qual paraíso? Um que nos oprima ou um que nos liberte? Um que nos faça entender a vida ou um que nos escravize? Um que nos permita viver nossa individualidade, ou que pouse a mão de um feitor divino e nos coloque os garrotes e as correntes de uma fé?
A visão de falsos paraísos faz a tragédia humana há milênios. As crenças humanas, a ingenuidade e a boa fé das pessoas são pão quente nas mãos de facínoras. Claro que é do jogo da liberdade correr riscos. Então, ou deixamos de ser ingênuos, ou o paraíso sempre será mais uma praga do que um prazer. A crueldade está sempre presente: tanto às portas dos paraísos prontos, quanto nos chamados messiânicos para construir um ao custo de milhões de vidas. Não há dó nem piedade nas escadas que levam ao céu ou ao inferno.
Eva nos abriu as portas de diversos paraísos possíveis. Um machado de dois gumes. Comer da árvore do conhecimento, o que ela fez com avidez e gosto, se nos libertou do tédio, também colocou-nos na beira do abismo das graves decisões que a humanidade tem que tomar.
No ano 2000, cientistas franceses pegaram um embrião de uma coelha branca e implantaram em seu DNA um gene de uma água-viva verde fluorescente e criaram a primeira coelha fluorescente da história. Eva nos deu a petulância da possibilidade de brincar de deus.
Não sabemos ao certo o que fazer com a espada do conhecimento. Desde que a tiramos da bainha e a brandimos contra a ignorância, temos ao mesmo tempo pagado o pato dos excessos, da falta de controles, da destruição do planeta, planeta que é nossa casa e conforto.
Não nos demos conta ainda que a parte mais difícil, que foi cortar o cordão umbilical com o misticismo barato e sem lógica, já o fizemos. No entanto, continuamos dando oportunidades à criação de novos e falsos paraísos. Messias doentes e falsos profetas seguem extorquindo a crença pela TV em nome de paraísos.
Eva nos arrancou de um deles como uma mãe nos expulsa do útero, do seu aquário, e nos presenteou com o lado negro do paraíso: a liberdade e a vida para ser vivida! Viva Eva!
Agora, alguém sabe direito o que fazer com estes brinquedinhos que ela nos deu?

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