O homem que conversava com o absurdo

A morte de Stephen Hawking não é uma morte qualquer. Stephen Hawking não era um cara qualquer. Um qualquer, com os problemas que ele tinha, já teria morrido há muito tempo. Desde jovem, teve que lidar com o absurdo de uma doença que foi lhe retirando a mobilidade. Começou cedo a dialogar com o absurdo. E aprendeu.
Ele tinha tudo para passar a vida choramingando as pitangas de uma existência atroz e sem liberdade. Um absurdo. Então, o absurdo foi seu parceiro desde o início. Com ele trocava ideias e aprendeu que o universo, este enorme absurdo, cabia numa casca de noz. De lambuja, descobriu que os buracos negros emitem radiações ao consumirem matéria e anti-matéria.
A doença de Hawking (Esclerose Lateral Amiotrófica) tem potencial para desmoronar qualquer vontade, o tesão pela vida. Tinha tudo para transformá-lo num cara amargo a maldizer a vida todos os dias, o presente, o futuro, os pais, a sociedade. Mas ele se fez outra proposta. Considerou a vida uma absurda esfinge e tratou de decifrá-la, pesquisando o universo e popularizando a ciência.
Mas suas descobertas científicas não são o mais importante. Mais importante é o fato dele ter feito isso quando as crenças comuns ditam que um homem na sua condição vai morrer se lamentando e não trabalhando e descobrindo. Os padrões do preconceito afirmam que um homem nas suas condições vai ser azedo, mal humorado, depressivo, pessimista, suicida, enfim, um infeliz. Porém, se ele não foi feliz dentro dos conceitos comuns de felicidade, fez de tudo para ser dentro dos possíveis e, se se abateu por sua condição, não permitiu que ela o levasse ao fundo do poço. Antes, o levou ao pico do “posso”.
Quem já conversou com o absurdo sabe que é com ele que se faz poesia, literatura, que se faz ciência. Que se conquista um grande amor. Um grande amor é sempre, absurdamente, algo inalcançável. Por isso, Stephen Hawking, num dos seus três conselhos para os filhos, disse: “se encontrares um grande amor, não permita que vá embora”. O cara era chegado em absurdos, já que grandes amores estão, quase sempre, de passagem. Segurar um é quase como desvendar uma lei quântica do universo.
Todos têm dificuldades na vida. E vencê-las é um orgulho, um fato admirável. É desprezível sentir pena de si mesmo. Sentir-se útil ao mundo é um bom começo. Agir de forma útil ao mundo, um segundo passo. O terceiro é descobrir com qual absurdo conversar para se chegar lá. Uns vão fazer piruetas e poesias nos palcos da vida. Outros vão salvar vidas nos hospitais ou ensinar crianças a ler e a ouvir música boa. Alguns, até com mais dificuldades, vão modificar o mundo com a verdade em punho. O absurdo de cada um é uma escolha pessoal.
A condição de Stephen Hawking era daquelas que levam preconceituosos, com seu olhar mesquinho sobre as dificuldades alheias, a crer que a vida o castigava, como se a vida fosse uma punição. Para sorte do mundo, nem todo mundo é mesquinho. E o absurdo só é absurdo por algum tempo. Logo alguém conversa com ele e o torna compreensível e parte de nós. Graças aos Stephen Hawking da vida que conversam com absurdos.
Por fim, para ele, sua condição era só a conjunção de fatalidades genéticas aleatórias. Não acreditava que um deus bom e justo o fizesse sofrer daquela forma, gratuita e sem motivo. Logo, não há deus.
Só adeus, Hawking! Só adeus, e obrigado.

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