Eremitas de nós mesmos

Nossas relações com a solidão são conflituosas. Animais sociáveis e gregários que somos, ficar sozinho parece agredir um senso milenar de segurança, sobrevivência e proteção contra as agruras da vida. Os grupos protegem seus membros dos perigos, consolam contra a morte, aplacam os medos. Ter alguém ao lado para nos dar a mão foi fundamental para chegarmos até aqui. O espírito de eremita de alguns sempre foi mais uma espetacularização da fé e com poucos adeptos em tempos de magros amparos sociais. Mas e hoje, que a sociedade criou tantos mecanismos de defesa, o que dizer da solidão?
As cidades grandes têm demonstrado o quanto o excesso de gente em volta da gente cria até uma certa apatia pelo outro: tanto que ficamos confinados em apartamentos e sequer vemos nossos vizinhos. Com tanto excesso, mal sentimos a falta que fazemos uns aos outros.
Esta ambiguidade de sentimentos nos confunde, e estamos sempre nos digladiando entre querer ficar sozinho e não querer.
O certo é que um naco de solidão é sempre necessário. A individualidade é um exercício que precisa de espaço e tempo. Estar consigo mesmo (quando a gente se suporta, é claro) nestes tempos de excesso de gente, é cada vez mais imperativo. Há muitas alternativas que usamos para substituir os ou o outro, pelo menos por um tempo: livro, música, TV, celular, cachorro, olhar para o vazio e sonhar com um amor impossível ou chorar o choro miúdo dos infelizes. Cada um com suas escolhas. Muitos casais vão, cada um para seu quarto, depois da parte boa, justo para não ter que conviver com as partes ruins de dormir juntos. Essa “democracia” que veio em benefício do ficar só ganha cada vez mais adeptos na sociedade moderna.
Para muitos, a solidão significa tristeza, melancolia, incapacidade de relacionamento. Mas isso pode não ser assim. A solidão pode ser uma escolha, um estado de espírito, uma necessidade, um estilo de vida. Depende sempre de como cada um lida com a inexistência de parceiros. Até porque um alguém pode ser uma sobrecarga, uma inconveniência. Há sempre quem pese se mais vale a liberdade ou se mais valem as negociações e, portanto, as limitações de uma vida em comum.
A solidão parece trazer consigo a imposição de que tudo depende só do solitário; amar, ser feliz, suportar sozinho os reveses do dia a dia. Já quem escolhe não ser só pode dividir tanto seus fardos quanto suas alegrias e, convenhamos, dividir alegrias é muito legal. Esta luta diária entre estar só ou estar acompanhado, quando não compreendidos, nos desgasta e nos afeta. Temos nossos momentos de não querer ninguém por perto, assim como temos aqueles dias em que o colo do outro, a parceria, nos salva a vida.
Por fim, talvez o que tenhamos que levar em consideração é que a solidão pode ser tanto um direito quanto um dever. Ficar só é um ato de liberdade. É sempre bom lembrar que, dentro da gente, não existe ninguém além de nós. No fundo, bem lá no fundo, estamos sempre sozinhos. Sempre seremos eremitas de nós mesmos, meditando solitários nas cavernas do fundo dos nossos poços.

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