Leões, quando chegam à adolescência, são expulsos de seus bandos. Quando essa expulsão demora mais, o espírito indômito de um jovem cheio de hormônios descobrindo seus poderes, faz com que ele brinque, torture e dilacere os novos filhotes. Há uma inacreditável batalha entre os irmãos e primos para ver quem vai conseguir ficar com o bebê, até que ele deixe de existir. Esse tipo de comportamento é instintivo; assim também aprendem a caçar e a defender sua caça, evitando a morte por inanição. Somente um em cada sete leões adolescentes chegarão à vida adulta. Somente um em cada sete conseguirá amadurecer.
Felinos e seres humanos são alguns dos poucos animais na natureza que matam, muitas vezes, por prazer. Felinos aprendem, desde pequenos, a caçar; insetos, pequenos mamíferos, pássaros. Às vezes, nem têm fome, nem comem a carne. Caçam pela caça. Seres humanos também. Às vezes, caçam pela adrenalina de serem predadores, acordando um instinto que já superamos há muito tempo. Ou devíamos ter superado.
Dizem que somos os animais mais evoluídos da Terra. Há muito mais semelhanças, no entanto, entre nós e a selvageria. Fomos capazes de criar sociedades, ciência, arte, cultura, leis; isso faz com que sejamos seres incríveis. Muito mais que isso, faz com que acreditemos em nosso potencial como espécie. Somos estes seres maravilhosos que conseguem desvendar o universo e encontrar mil e uma razões para fazer a vida valer a pena. Mas, no fim do dia, não somos muito mais do que leões adolescentes: brincamos, torturamos e dilaceramos nossos semelhantes. Em nossa prepotência, nos julgamos muito melhores do que realmente somos.
A natureza não é cruel; crueldade é um conceito criado pela humanidade. Um leão jovem que mata seu próprio irmão é burrice, se formos pensar pelo lado evolutivo; para evitar isso, as leoas expulsam esses leões antes que comecem a agir assim. Não fosse isso, talvez não existissem mais leões. Eles não têm consciência de seus atos; são instintos, não sentimentos. Não podem ser julgados como maus. Maus somos nós, que temos consciência e matamos mesmo assim. Que temos consciência e matamos por prazer. Que, mesmo sabendo o que é crueldade, praticamos nossas selvagerias diárias.
Brincamos com as pessoas e com a natureza achando que estão ali para nos servir. Torturamos as pessoas e a natureza em uma busca incessante de cada vez mais poder, mesmo quando o poder é só ilusão. Dilaceramos corações, almas e corpos como leões dilaceram a perpetuação de seus genes.
Eles, no entanto, estão só seguindo ordens. Nós, únicos seres desse planeta capazes de criar nossas próprias ordens, cá estamos, agindo como leões imaturos, com a diferença de que carregaremos como extra a culpa, enquanto eles carregam somente seu legado genético. Um a cada sete leões consegue amadurecer e chegar à vida adulta. A maioria de nós chega à vida adulta sem amadurecer.
Ana Clara Stiehl
Cronista