Fazia quase uma hora que ela olhava para o telefone. Depois de duas taças, desligou o rádio e tirou os fones de ouvido. Foi até o quarto, em silêncio, para não acordá-lo. Pegou a mala e a colocou sobre o sofá. Dependurada na garganta, a voz rouca e trêmula. Digitou um número. Atenderam:
– Alô?
– Alô.
– Oi?
– Oi. Tá fazendo?
– Lendo.
– Quem?
– Clarice.
– Legal. Clarice é ótima… (silêncio)… Te esperei lá… Onde combinamos…
– Sei. Não pude ir.
– Tá… Podia ter avisado…
– Não podia.
– Ela?
– Não. Só não podia…
– Não quis mais ir? Desistiu?
Silêncio…
– Te conheço já… Mas meu coração…
– Teu coração?
– …me dirige. E acreditou no teu. Corações mentem. Mentem muito.
Silêncio…
– Taí?, – ela perguntou.
– Tô.
– Legal, teu coração.
– Também gosto dele. O teu também é.
– O meu? Ah, o meu é um boboca.
Silêncio. Ela continuou em seguida.
– Mas tá na estrada que escolheu. Todas um desastre.
– Não te desespera – ele disse. – Tu é feita de pétalas.
– Ãh?
– Tu é feita de pétalas.
– Ah, tá. Não me desespero. Só fico meio assim… deixa pra lá.
– Não te menti.
– Não é problema teu. Até queria que fosse… – e fungou o nariz.
– Não te menti – ele reiterou.
– Sei. Não precisa repetir. Eu me viro.
Silêncio…
– Sabe que eu te amo – ela disse.
– Sei. – ele respondeu.
Silêncio…
– Não sei o que faço com isso. Tá meio que…
– Sei… não posso ajudar – ele emendou com uma voz cansada, no limite.
– Pensei até em escrever sobre isso tudo só pra ver se…
– É… escrever… talvez… Mas diz a Clarice quanto a escrever, que mais vale um cachorro.
– Ela disse isso?
– Escreveu.
– Ou então viajar… sozinha…
– Viajar? Vai! Tem uns lugares bem loucos de bacana no mundo.
– Tem sim. Tenho um amigo que foi pra Kathmandu. O Wagner…
Silêncio…
– Tu tá me ouvindo? – ela insistiu.
– Tô.
– Gostou do novo disco do Vítor?
– Que Vítor?
– Ora que Vitor… o Ramil.
– Ah, claro… não, não ouvi. Quase não tenho tempo.
– Ah é…
– Preciso ir agora.
– Já?
– Já!
– Sei. Teu coração tá mandando…
– É! Sinto muito. Tchau. Um beijo.
– Se tu quiser sair… tomar um café…
– Ah, não. É longe daqui…
– Eu vou até aí… – ela disse com a voz embargada. Uma súplica.
A voz dele era amarga, distante.
– Melhor não. Tenho que sair…
– Tá, então.
– Preciso desligar… (silêncio) – Não me leve a mal…
– Não levo. Resolvi me despetalar.
– Há? – ele perguntou.
– Adeus…
– Tch….
Nem mais a voz rouca e trêmula. Somente um som contínuo, monocórdio e agudo selava o silêncio. Ela voltou ao quarto e o espiou pela última vez. Ele ressonava tranquilo. Nunca soube nem saberia. Ela saiu e deixou a mala feita. A chave, jogou-a num bueiro da avenida.
Andou um pouco sem rumo pela noite e depois tomou o único caminho possível e foi sumindo, se desmanchando, se despetalando…