A vida é de se continuar vivendo. Mesmo quando um ciclo termina. E meu ciclo no Jornal Ibiá termina hoje. A vida… ah, a vida… esta continua. Longa e próspera, esperamos. Tanto a minha quanto a do Ibiá. Mas é preciso reciclar, juntar os cacos, lamber feridas, encavernar-se no mau tempo. E 2020 promete ser de um mau tempo terrível.
Inobstante, há a vida a ser tocada. O que resta dela, pelo menos. É preciso levar em frente o amor pela mulher amada, o trabalho, os projetos de vida que nos alentam e sem os quais ela perde o sentido. É preciso enfrentar os fantasmas que nos assombram, os monstros de nossos equívocos; o martelo implacável de nossas fraquezas e absurdos. Tudo o que todos enfrentam, não sem medo, e que sempre volta.
Meu ciclo no Jornal Ibiá iniciou em março de 2016. De lá para cá, de minha parte, foi só alegria. Escrevi o que quis, o que senti, o que penso a respeito da vida e do mundo. Tive liberdade total para isso. Fui um cronista livre de amarras, a não ser aquelas que eu mesmo me impus. Sei que uma crônica não passa de uma mera opinião. Não se mata nem se morre por ela. Opinião hoje se tem uma, amanhã outra. Mas há os que não compreendem isso e acham que uma opinião é um desafio para um duelo. Pena.
Foram quase quatro anos de crônicas semanais com raras interrupções ou intervalos. Escrevi sobre política, sobre livros, sobre filhos, sobre o amor. Sobre envelhecer, sobre o ódio, sobre um monte de coisas. Até parece que um cara que escreve sobre um monte de coisas sabe um monte de coisas. Bobagem. Sobre estes assuntos, ninguém sabe nada. Por isso não é difícil escrever sobre eles. A vida é uma equação com infinitas incógnitas. É um bom assunto porque sempre há o que dizer sobre ela mesmo que não se esteja dizendo nada de significativo.
A complexidade da vida permite uma liberdade que os temas fáceis não permitem.
Não se pense que deixo de escrever sem tristeza. Para quem escreve, escrever é quase tudo. Escrever dá paz. É um relaxamento depois do banho, é o cansaço bom depois do sexo, é a sensação de expurgo de seus demônios. É a alma liberada de suas sujeiras.
Escrever, para quem escreve, não é só uma vaidade (é também), mas é a possibilidade de desnudar sua alma e a alma coletiva. E o escritor que não se desnuda, mesmo sob o risco do erro, não é um escritor de verdade. O escritor é aquele que opina sob o risco de estar errado. O escritor é aquele que joga seu coração na calçada para que o pisoteiem. O escritor é aquele que não faz média. Nem media. O escritor é aquele que abre suas portas mais recônditas e deixa ver as vísceras, o sangue, a mágoa e a maldade que o apequena frente ao mundo, escorrer por suas palavras. Escrever é um pedido de socorro, uma mão estendida na busca do conforto de outra mão estendida: a do leitor.
Se é verdade que um amor impossível se sente em silêncio, a um escritor não cabe este luxo. Ou o escritor se estrebucha em público, fiel ao imperativo ato de contar do turbilhão interno que o assombra, ou não escreve nada. Ou abre sua caixa de Pandora ou só vai escrever abobrinhas.
Assim, fecho meu ciclo. Uma vez por semana despi minha alma pelas páginas do jornal. E dou graças à vida, por ter permitido que minha alma andasse nua pelas ruas, para torná-la menos hipócrita, mesmo que um tanto de hipocrisia sempre reste em cada um de nós, infelizmente. E é para admitir isso que escritores existem.
Enfim, resta agradecer ao jornal por esta oportunidade única e dizer que é vida o que segue. E como ela é circular, quem sabe um dia acabo aqui de novo?