No auge do Mal de Parkinson e do Alzheimer, minha mãe, por momentos, não me reconhecia. Quando eu chegava, dizia: – Ó, chegou meu irmão! – aludindo a um tio falecido há anos. Depois, calmamente, me pedia que tirasse um menino que estava sentado sobre o armário e que passava o dia rindo e fazendo troça com ela. Inútil dizer que não havia ninguém ali. Ela via e fim. E claro que não vou contar as partes realmente doloridas dessas insanidades.
O que o cérebro faz conosco beira o apocalipse. A bomba eletroquímica que ele é está sempre prestes a explodir. E o estopim, às vezes, nem está nele. Conheci uma pessoa com graves problemas hepáticos que, pelo fato de o fígado não metabolizar corretamente os remédios, o cérebro acabava fazendo leituras diferentes de sua fórmula. Pronto! Os surtos psicóticos advindos eram de apavorar. O corpo é uma máquina azeitadinha. Mas se tirar o azeite…
O cérebro mete medo. E não só quando ele fica sob o efeito de doenças. A sua normalidade também assusta. A consciência, a clara visão da realidade, da nossa finitude e irrelevância frente à vida e ao universo. O cérebro rodando direitinho é uma fonte inesgotável de angústias. Daí que estamos sempre em busca de algo que o distraia, seja químico, seja filosófico; seja natural ou religioso, mas que aliene e alucine, que nos perca de nós mesmos, que nos tire o juízo.
Daí o comércio de alucinações só prospera. Seja pelos púlpitos, seja pelas máfias, seja – sagaz ironia – pelo saber como fonte de entendimento e compreensão de um sentido para tudo. Cada um trava sua própria guerra pelo seu ópio.
Aliás, por falar em ironia e guerra por ópio, uma historinha. Em 1836, o imperador chinês Daoguang resolveu acabar com o comércio ilegal de ópio realizado por comerciantes ingleses e que gerava milhões de libras para os ingleses e milhões de viciados e mortos para os chineses. O imperador queria, inclusive, a imediata execução de todos os consumidores. Veio a guerra e os ingleses venceram. Segundo consta, as tropas chinesas, às vésperas das batalhas, se dedicavam a consumir… ópio!
Mas voltando… Essas alucinações particulares, o ser humano nunca se contentou só com elas. Nós queremos também alucinações coletivas; juntar, como elos de uma corrente, paranóias que manifestem nossos delírios comuns. E aí vamos às ruas saudar o messias da vez, glorificar pastores ao invés de deuses, crucificar a verdade em prol das mentiras, massacrar os mais fracos como forma de parecermos fortes. A busca de cada um se junta com a busca de outros perdidos e logo temos a saudação histérica de nossas loucuras comuns.
Como se fosse um só cérebro atrás de uma mesma solução, as massas se encontram em gritos e cânticos messiânicos que prometem a luz mágica do fim dos males, que, em suma, só reavivam outros. Estamos todos em perfeito estado: perfeito estado de aflição. E aflitos e desesperados, não vemos mais a realidade. Vemos uma versão dela, a que nos conforta; ouvimos discursos que soam como sinfonias. Sentimos o prazer de mil orgasmos. Desfrutamos da paz que nos escraviza.
A linha tênue que separa a lucidez da loucura é muito fácil de transpor. Basta meia dúzia de neurônios bloqueados, uma cirrose drástica, um cachimbo de crack, um líder abominável e maluco, mas que sabe conversar com nossos fantasmas.
Ou, em último caso, pra alucinar de vez, ela te dizer: não te amo mais! Aí, meu… aí… deu!