O filósofo italiano Antônio Gramsci, nos anos 1930, mesmo preso e debilitado, não parava de produzir. Um general de Mussolini disse: precisamos fazer esta mente parar de pensar.
Não, não quero falar do fascismo que hoje nos assombra com suas aves de rapina.
Quero falar da paz. Da paz que não existe. Da paz que não existe porque estamos sempre pensando. Estamos sempre ruminando problemas, dissabores, ódios, amores, medos. Estamos sempre bolando um jeito de sobreviver, de evitar a tristeza, de ser feliz. Sempre em guerra com nossa natureza, limitações, prazeres; sempre em luta por um mundo e contra aqueles que desejam outro. E este embate sem tréguas se trava na mente. Por isso, ela nunca para e não nos permite ter paz. A paz, só a alcança quem já desistiu.
Nesta luta, há vitórias e derrotas. Mas independente de vencermos umas e perdermos outras, em segundos, novas surgem. A constância desta batalha contra e a favor do mundo que a mente trava nos fragiliza. A busca pela paz se torna quase doentia. De vez em quando, conseguimos momentos, poucos, onde a vida não é um roldão de pesadelos. Por isso os sorrisos raros.
Há aqueles que não se dão conta da batalha que estão travando. Há os que entregam nas mãos de outros seus dilemas e responsabilidades sobre o mundo e a vida. Há a ingenuidade, há a fé no que não é deste mundo. Há o casulo da infância em que muitos se protegem até a velhice. Nestes, os sorrisos são fartos. A mente também não para, mas, surpreendentemente, a paz lhes é fiel. Escudos a protegem e um pequeno paraíso ficcional parece tomar corpo e são felizes assim.
Para outros, no entanto, a realidade é uma máquina atroz moendo a carne, a sensibilidade, a beleza de tudo. E a angústia pede uma rota de fuga.
A jornalista científica sueca Karin Bojs afirma que humanos primitivos andavam centenas de quilômetros para celebrações em que a atração era a cerveja. Entorpecer-se sempre foi uma forma de suportar a crueldade da vida. Estudos mostram inclusive que golfinhos pegam o baiacu somente para aproveitar-se de uma toxina com efeito narcótico que o peixe produz. Sabem até a quantidade de que precisam para dar “barato”.
A sobriedade é uma condição importante em sociedade. Ninguém quer um médico “cheirado” transplantando seu coração. Tampouco um soldado com um fuzil nas mãos com seu emocional “adulterado”. Mas o controle social da sobriedade é complexo. Tão complexo que o dinheiro dos ricos sem paz sustenta o tráfico e suas consequências também sem paz.
A verdade é que suportar a vida não é fácil. Então, se busca facilitadores.
Não quero, com isso, fazer apologia da drogadição. Quero dizer que a batalha contra ela é difícil justo por causa da condição humana. A consciência da nossa fragilidade não é fácil de suportar. E como disse lá no começo: a gente nunca para de pensar, e pensar nela.
Relembremos o poeta Charles Beaudelair:
“Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo
que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem tréguas.
Mas – de quê ?
De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor.”
De certa forma, somos todos como o filósofo italiano Antônio Gramsci. Estamos presos, debilitados, mas não paramos de pensar. A paz interior é algo tão importante que há até um bordão religioso que a valoriza: Que o Senhor vos dê a sua paz!
Porém, como todos sabem, Ele não dá! A paz simplesmente… não existe.