Não, não pense que o gostar nasce pronto. Não nasce. Para gostar de alguém, existe um processo, uma construção afetiva moldada a quatro mãos. A primeira pedrinha assentada no barro do sentimento pode até ser insignificante. Mas há uma sequência, mais robusta, mais pesada, moldada por sorrisos, carícias, palavras bem postas, um choro, pela vontade de ficar junto que faz o restante do edifício.
Na construção do gostar, existem vários tipos de cimento: rir juntos, chorar juntos, olhar o sol se pôr juntos, molhar os pés na praia… juntos. Cantar, e cantar as mesmas músicas, e se surpreender com isto… juntos. E gozar juntos, broxar juntos. A construção do gostar é uma poesia que vai se escrevendo… juntos!
E o gostar vai edificando nas entrelinhas um verbo ainda mais porrada: o verbo amar. Que é quando tudo que se faz juntos ganha mais sentido. Conversas e silêncios, por medos e coragens, por se dizer tudo que se pensa, e por, às vezes, não dizer, dependendo do vazio que gera. A construção do gostar passa por dividir cheiros, líquidos, toques, desilusões e fracassos. Por se querer ficar quieto e sozinho por dias e não querer em outro. E sim, querer saber tudo do outro.
A construção do gostar passa por dividir o mesmo espaço, o tempo livre, dividir o invisível e o real, os colos e não desistir ante à tristeza do outro.
A construção do gostar não é uma democracia. E quem aceita a mão pesada deste arquiteto do imaginário – e aceitar é urgente – aceita também a supremacia da fantasia sobre o cotidiano. E se gostamos de verdade, a fantasia terá alicerces muito mais robustos, a ponto de suportar a realidade por anos e anos. A construção do gostar passa por esticarmos as mãos para algemas. E gostar deste bastar-se a dois e ver que todo o resto é um mar de possibilidades sem graça.
Construir o gostar tem um quê de arte: a de abandonar-se em favor de quem se gosta. Abandonar um mundo, vontades e prazeres. Abandonar amigos, parentes, relações de anos. Quando se constrói o gostar, perde-se quem não está a favor; diversos elos se rompem, muitos vínculos se esfumaçam. Tudo se resume a um “eu e tu”.
O amor é um gostar ainda mais fascista, exclusivista, louco e vingativo. O amor nos deixa com um pé no chão e outro no abismo. Ou dá certo ou é a ruína. Um resto de razão, que antes já estava sem graça no processo, vai ser expulso do paraíso. E toda aquela edificação que você fez, não com tijolos, mas com poesia, imaginação e sentimento, pode ruir sobre sua própria cabeça.
Amar é um ópio, cujas primeiras tragadas viciantes começam na construção do gostar que você faz com aquele zelo ingênuo de quem pensa que vai embora da festa a hora que quiser. Você não vai. A construção do gostar tem tantos jardins coloridos, tantos episódios para sempre, tanta poesia e prosa e romance, tanta literatura, que você nunca mais deixará de ler. A construção do gostar são centenas de livros que você escreveu na sua cabeça e que toda noite, no seu travesseiro, você vai reler.
No dia em que sua vida se reduziu a dois apaixonados, neste dia seu edifício ficou pronto. Desde então, você faz de tudo para segurá-lo de pé. As telhas nos temporais, as vidraças se estilhaçando no vento, os alicerces cedendo no barro.
É quando você descobre se a construção que começou com um mero gostar, um nadica de nada, virou a causa e o sentido de sua existência.