A arte de persuadir

Persuadir é uma arte. Porque ronda o mundo das quimeras, do impossível, do inaceitável; porque certas coisas que fazemos quando persuadidos espantam o mundo da lógica e do bom senso. Porque crer que certas barbaridades sejam frutos e consequências de uma ciência, de um processo racional afrontam a prudência. Senão como explicar, por exemplo, o poder de Rasputin, um campesino bêbado, semianalfabeto e insolente que se transformou em guru, curandeiro e profeta da família real russa no início do século XX?
Seu poder de persuasão, seu olhar hipnótico convenciam as mulheres a aceitar “exorcismos erótico-sexuais” como forma de se livrarem do demônio que habitava seus corpos. Ganhou a confiança da czarina Alexandra quando conseguiu, rezando, estancar uma hemorragia do príncipe herdeiro, que era hemofílico. Em poucos anos, estava dentro do palácio real, decidindo até nomeações de ministros, escolhidos sempre entre os mais incapazes.
Rasputin lembra outro guru que, nos anos 60 e 70, surpreendeu o mundo. Jim Jones também se tornou vistoso por curas fraudulentas. Mas também fazia caridade e arrebanhou uma legião de fieis e também chegou aos poderosos, como a família Carter. Mas quando começaram a desconfiar de suas fraudes; quando descobriram que seus métodos de persuasão passavam por abusos psicológicos e sexuais, partiu dos Estados Unidos e montou uma comunidade utópica na Guiana. Foi onde seu poder de persuasão assumiu sua face mais perversa.
Ordenou que os mais de 900 seguidores ingerissem veneno, o que se transformou no maior suicídio coletivo da História. Talvez alguns tenham sido obrigados a envenenar-se, mas é certo que convenceu a maioria de que morrer era mais importante que viver.
Num caso emblemático para o Brasil, crimes sexuais também estão na base do esfarelamento do “médium” João de Deus. Guru de figuras famosas como Xuxa, João de Deus caiu em desgraça quando se descobriu que sua fama por “curas” e “milagres” servia para abusar da vulnerabilidade e da fé dos que o procuravam. Não percebeu que os desejos humanos ferem de morte nossa inocência. E sucumbiu porque acreditou que seu poder de persuadir esconderia suas falhas.
A gente sempre pensa que as pessoas fazem o bem pelo bem. E as veneramos por isso. E se temos necessidades e medos, acreditamos ainda mais. Mas gurus têm muito de lobos. E lobos têm fomes, as mais diversas. E, para muitos deles, não custa usar o poder sobre outra pessoa para persuadi-la a saciar suas fomes. Só que às vezes custa. É quando o guru explode.
O guru do momento é o “filósofo” Olavo de Carvalho. Seu método é o absurdo, o estapafúrdio. Para reunir seu gado, assovia uma canção ao tosco, ao improvável; dá voz a teorias da conspiração. Quanto mais assevera como verdade factual o devaneio, o ficcional, mais seu canto de sereia convence os desiludidos do mundo. Como o abismo no fim da Terra Plana: se caímos nele, caímos para onde?
Enfim, Rasputin foi assassinado, Jim Jones se suicidou, João de Deus está preso. A fila vai andando.
Para Rasputin, de longe o mais interessante dos gurus, Hermógenes, o Patriarca de Moscou gritou: “Demônio! Em nome de Deus eu o proíbo de tocar o sexo feminino. A Santa Igreja, através de suas orações, cuidou do seu sagrado povo. E agora, tu, escória, o está destruindo”.
Os rasputins modernos, por enquanto, preferem só mandar boletos do aluguel da fé. Mas deve piorar.

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