As marcas deixadas pela pandemia da Covid-19 serão sentidas por muito tempo, inclusive no setor de Saúde. E às vésperas do Dia Nacional da Doação de Órgãos (27 de setembro), é importante entender os impactos nesta área e como a solidariedade é fundamental para sua reconstituição. Em dados gerais, desde o início da pandemia houve redução de 30 a 50% dos transplantes no Brasil. A doação também teve retração, sobretudo pela ausência das pessoas enfermas dentro dos hospitais. A boa notícia é que o índice de recusa das famílias para doação manteve se estável.
As informações são do coordenador de transplantes da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, o médico nefrologista Valter Garcia. Inclusive, em sua avaliação, no fim das contas o impacto não foi trágico. Ele inicia com avaliação nacional, na qual aponta uma redução drástica nos procedimentos nas regiões Norte e Nordeste.
Especialmente porque o Brasil iniciou o ano tendo os melhores janeiro e fevereiro da história em termos de doações e transplantes. E apesar do início do isolamento social, março conseguiu segurar a boa média. “Terminamos o primeiro trimestre de 2020 como o melhor em doação de órgão no Brasil”, recordou.
Mas então iniciaram as restrições, o abandono de tratamento e o medo de entrar em um hospital; e as regiões Norte, Nordeste – e em menor nível a Sudeste – tiveram queda de até 80% nos procedimentos. Segundo Garcia, os transplantes praticamente pararam nos hospitais nordestinos.
Enquanto isso, o Rio Grande do Sul ainda não enfrentava seu pior momento da pandemia, observando redução modesta nos procedimentos em sua rede. Inclusive, na Santa Casa os transplantes seguiram normalmente. “O primeiro semestre para a Santa Casa foi bom, inclusive acima da média”, revela o coordenador da central de transplantes.
Julho trouxe mudanças para a Santa Casa
O cenário tranquilo na Santa Casa deveu-se ao fato dela não ser referência para Covid-19, missão atribuída – inicialmente – as instituições Clínicas e Conceição. Todavia, o dia 15 de julho chegou trazendo o pico de casos e o consequente aumento nas internações. A instituição referência em transplantes foi então convocada, e ampliou sua oferta de leitos de UTI específicos à Covid dos 10 iniciais (reservado apenas para seus pacientes) para 90. Isso exigiu ainda que médicos intensivistas fossem deslocados das outras UTI’s do Complexo Hospital Santa Casa, inclusive do Hospital Dom Vicente Scherer, especializado em transplantes.
“Em uma pandemia é preciso colaborar”, defendeu Garcia. Desta forma, os procedimentos pararam por 40 dias, sendo realizados apenas transplantes de urgência. Em 26 de agosto o setor na Santa Casa normalizou, após um terceiro trimestre com forte queda de 20%.
Um exemplo foi o transplante de rins, que tem média de 22 ao mês, mas nos 40 dias de parada cancelou 30 procedimentos. E neste caso, assim como em relação às córneas, o reflexo também é no aumento da fila nacional de pacientes à espera de órgãos. O médico lamenta que em relação a outros problemas de saúde, como cardíacos, de fígado e pulmão, o que aumentou foi a lista de vidas perdidas; pois não têm tratamentos que permitam esperar uma doação. Ele assinala ainda que o crescimento da fila nacional só não foi maior devido a diminuição da procura por diagnóstico durante a pandemia.
Brasileiros estão mais conscientes sobre doação
A doação de órgão revela cenário peculiar, balizado em dois aspectos. Há algum tempo a média de negativa das famílias dos falecidos variava entre 40% e 44%. Com as campanhas humanitárias, o ano começou com esta postura caindo para 36% de negativa, índice mantido mesmo durante a pandemia.
E o motivo de comemoração está no fato desta constatação ir de encontro ao segundo aspecto, que foi a retração no registro de mortes cefálicas nas redes de saúde. O isolamento social reduziu os óbitos por acidentes – de trânsito ou trabalho –, e por infarto constatado na cama de hospital, pois, com medo, algumas pessoas não foram procurar ajuda médica e morreram em casa.
“Apesar de toda esta pandemia, de todo o sofrimento que estamos passando, doe órgãos”, apela o médico no Dia Nacional de Doação. Ele aposta no ciclo de solidariedade, assinalando que este é o único tratamento da medicina que depende da empatia da sociedade.
Dia da conscientização
A data de 27 de setembro
Dia Nacional da Doação de Órgãos – é também o Dia de São Cosme e São Damião, padroeiros da Medicina e do Transplante de Órgãos. Esta relação se deve a lenda de que os santos gêmeos médicos realizaram, com sucesso, o transplante de uma das pernas do sacristão da igreja, usando o órgão de um homem negro que havia morrido. Sua santidade é atribuída pelo motivo de haverem exercido a medicina sem cobrar por isso, devotados à fé.
De Setembro a Setembro
Para difundir a importância da doação de órgãos e tecidos e estimular as famílias a conversarem sobre o tema, o governo gaúcho lançou a campanha ‘De Setembro a Setembro’. A Central de Transplantes do Rio Grande do Sul pediu apoio de diversos órgãos públicos ou representativos na divulgação, não apenas em setembro, mas em todos os meses do ano. A ideia, de acordo com a coordenadora da Central, Sandra Coccaro, é trabalhar a informação, desmistificar questões referentes à doação e sensibilizar a população através do diálogo.