Cólica menstrual nem sempre é normal

Uma adolescente que ao ter os primeiros ciclos menstruais passa a sentir cólicas fortes a ponto de impossibilitar a ida à escola. Uma mulher tenta engravidar por anos sem conseguir. São situações possíveis para quem sofre de endometriose, uma doença que vai além do físico. Dependendo da intensidade desse problema que atinge o aparelho reprodutor feminino, a mulher tem a sua qualidade de vida comprometida, além de, em muitos casos, ver dificultado o sonho da maternidade.

Cássia junto da filha Maria Eduarda, hoje com três anos. A endometriose dificultou a gestação. Crédito: Arquivo pessoal

A endometriose ocorre quando há endométrio – o tecido que reveste o interior do útero – fora da cavidade uterina, atingindo áreas como trompas, ovários, intestinos e bexiga. Foi esse o diagnóstico recebido pela assistente de escola da rede municipal Cássia Willers Peralta, de 29 anos. O diagnóstico veio quando ela tinha 21 anos, após a percepção de vários sintomas característicos. “Eu tinha muitas dores, fortes sangramentos (hemorragias), o ciclo menstrual era desregulado desde sempre”, relata ela. O diagnóstico veio após muitos exames, como ecografias, tomografias e em uma videolaparoscopia.

Existem diferentes opções de tratamento, porém, no caso de Cássia, optou-se pelos hormonais. “Na videolaparoscopia não foi possível fazer a retirada dos coágulos, pois tenho varizes pélvicas e nas paredes do abdome. Seria arriscado demais”, conta Cássia, citando o que lhe foi explicado na época do diagnóstico e início do tratamento.

A endometriose dificultou a chegada de Cássia à maternidade, levando quase três anos. “De tentativas e frustrações”, define ela. Mas as tentativas se provaram válidas. E Maria Eduarda Peralta Lemes está aí para comprovar, aos três anos de idade. Os sintomas que, naturalmente, somem durante a gravidez, com o passar do tempo, retornaram. “Há seis meses venho sentido fortes dores e estou voltando a fazer tratamento hormonal”, conta. Como outra gravidez não está nos planos, Cássia faz acompanhamento médico e segue na luta contra a endometriose.

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Raquel Dibi, ginecologista e obstetra da Santa Casa de Porto Alegre
Crédito: Arquivo pessoal

Ainda há muito a esclarecer sobre a endometriose
Esse não era o caso de Cássia Willers Peralta, mas há evidências de que a endometriose possa ter uma relação com hereditariedade. Porém, a ginecologista e obstetra da Santa Casa de Porto Alegre Raquel Dibi explica que essa doença relacionada aos ciclos menstruais ainda tem a sua causa desconhecida pela ciência.

Atualmente, há uma campanha mundial que visa ao estímulo a centros especializados em pesquisa e tratamento da endometriose, doença que atinge entre 10% e 15% da população feminina brasileira. “Sabemos que é um quadro que pode ter início a partir das primeiras menstruações, ainda na adolescência. E gera dor pélvica, cólicas, intensa”, diz a especialista.

A manifestação de cólica intensa não deve ser encarada como algo normal. “Aquela cólica progressiva, que piora com o passar do tempo, também deve servir de alerta”, destaca Raquel. A mulher deve recorrer a atendimento médico. Apesar dos sintomas característicos, o diagnóstico é fechado apenas com exames ginecológicos e de imagem. Com a confirmação de endometriose, abrem-se possibilidades de tratamento cirúrgico, clínico ou combinado. Essa decisão caberá ao médico, considerando os resultados dos exames e, também, uma análise dos sintomas. Trata-se de uma doença crônica e que precisa de acompanhamento, mesmo após conclusão de tratamento.

Raquel Dibi explica que precisa ser avaliado o que exatamente se deseja tratar. No caso de uma paciente em que a endometriose causa muita dor, uma alternativa é a pílula anticoncepcional, que, através da dosagem hormonal, reduz a menstruação e, por consequência, trata a dor. “Como a endometriose está ligada ao ato de menstruar, no tratamento clínico se bloqueia a menstruação. Mas esse anticoncepcional está tratando o sintoma e não curando a doença exatamente”, diz Raquel. Se essa paciente parar de tomar o contraceptivo, voltará a sofrer das dores pélvicas.

Mas é possível que uma mulher adulta, que já menstrua há vários anos e não relata cólicas fora do normal, vá diagnosticar endometriose apenas ao tentar ser mãe e ter dificuldade de engravidar. Também não é uma regra que toda mulher com endometriose sofra de infertilidade, apesar da doença ser prevalente em mulheres inférteis.

Em alguns casos, em geral mais graves, de endometriose profunda, o tratamento mais indicado será cirúrgico. Raquel Dibi esclarece, porém, que “tratamento cirúrgico” não é o mesmo que afirmar a retirada do útero, algo que costuma gerar temor nas mulheres. “A cirurgia é conservadora do sistema reprodutor. Até porque retirar o útero não significa a cura da endometriose, que pode afetar outros órgãos como ovários e bexiga”, destaca a ginecologista e obstetra, sinalizando sobre avanços nas cirurgias ginecológicas.

Endometriose ocorre quando o tecido que reveste o interior do útero atinge áreas como trompas, ovários, intestinos e bexiga. FOTO: REPRODUÇÃO INTERNET

Mito ou verdade
Gravidez cura?
Não é incomum ouvir que a gravidez seria o “tratamento” da endometriose. Porém, Raquel Dibi garante tratar-se de um mito. Como a gravidez, devido a todas as mudanças físicas e hormonais, interrompe o ciclo menstrual, os sintomas da endometriose cessam durante a gestação. Depois do parto, com o passar do tempo, o organismo retoma sua normalidade e a endometriose tende a retornar. É preciso que as mães façam acompanhamento adequado.

Sou infértil?
A endometriose tem ligação com infertilidade. Mas seu diagnóstico não deve ser encarado como definitiva impossibilidade de engravidar. Há alternativas, mesmo que, em alguns casos, seja necessário lançar mão de opções como fertilização in vitro.

É normal?
Dores pélvicas intensas não são necessariamente cólicas normais. Ingerir analgésicos a cada menstruação para disfarçar o sintoma não resolverá o problema, que tende a se agravar ao passar do tempo. Procure um ginecologista.

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