Perder peso é uma verdadeira luta para muitas pessoas. Exercício físico, dietas e até medicamentos são usados por quem quer emagrecer. E, muitas vezes, a gordura não é apenas uma questão estética, mas também de saúde. Esse era o caso do controler Cássio Roberto Brandão Brito, 48. Há cerca de seis anos, ele chegou a 170 quilos e, com problemas de saúde associados, precisou tomar uma grande decisão na vida: fazer uma cirurgia bariátrica.
“Eu trabalhava em uma atividade de auditoria. Era bastante estressante, tinha muitas viagens, então, era uma rotina muito maluca. Eu cheguei a um peso muito alto”, recorda. Ele, que tinha problemas cardíacos desde os 24 anos e asma desde os três, utilizava diversos medicamentos, inclusive corticóides. Isso, associado a um padrão de vida corrido, com três empregos, um mestrado em andamento e constantes viagens para fora do Brasil, culminava em uma alimentação desregrada, poucas horas de sono, ansiedade e estresse a mil. A receita perfeita para a debilitação da saúde. “Com os problemas cardíacos que a minha família sempre teve, quando foi chegando aos meus 43 anos, o meu cardiologista me chamou e deu o diagnóstico. Ele disse: até agora tudo foi bem, eu consegui controlar tua vida, mas de agora para frente, você está entrando em uma faixa de risco muito grande”. Os avôs de Cássio haviam falecido na faixa dos 40 anos, vitimados por AVC. Sua expectativa de vida não era alta.
Cássio é um dos exemplos em que a cirurgia bariátrica é indicada. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), além da perda de peso, esse procedimento tem como principal benefício a remissão das doenças associadas à obesidade, como diabetes e hipertensão, diminuição do risco de mortalidade, aumento da longevidade e melhoria na qualidade de vida.
Introduzida no Brasil nos anos 1990, a cirurgia bariátrica é indicada em casos em que a pessoa tenha o Índice de Massa Corporal (IMC) maior que 35, desde que a pessoa tenha doenças associadas, como diabetes, problemas de diabetes, hipertensão e dislipidemias (anomalias dos lipídios no sangue); ou ainda em casos de IMC maior do que 40, mesmo sem essas comorbidades. “A grande maioria dos pacientes com IMC acima de 40 vai ter outras comorbidades associadas, porque a obesidade leva a outras doenças”, afirma o Dr. Cácio Wietzycoski, Cirurgião do Aparelho Digestivo e responsável pela equipe de Cirurgia Bariátrica e Metabólica da Unimed Vale do Caí. “É extremamente raro a gente operar alguém com IMC maior que 40 e que não tenha pressão alta, ou colesterol elevado”. Segundo ele, não há um peso indicado para fazer a cirurgia. Cada caso precisa ser avaliado individualmente. “É mais complexo do que o peso”, diz.
Segundo o cirurgião, a bariátrica é considerada um tratamento aos casos de obesidade mórbida e suas doenças associadas e, com o avanço tecnológico do procedimento, que o torna mais seguro, reduz consideravelmente o risco de morte do indivíduo. “Se a pessoas não conseguiu [emagrecer] a gente não tem como saber se foi por falta de persistência, de condições financeiras ou por outros fatores”. Wietzycoski considera que não se pode tirar a chance de a pessoa melhorar de vida. “Seria o mesmo que a pessoa chegar em um cardiologista com um infarto e ele dizer que a pessoa fumou, comeu mal e não fez atividade física, então o médico não poderia fazer nada e o paciente vai morrer disso. Nós não temos que julgar como a pessoa chegou até ali, temos que resolver o problema dela”.
Como toda cirurgia, a bariátrica tem riscos, porém, de acordo com a SBCBM, a chance de sucesso hoje, é acima de 95% em centros de excelência. O índice de complicações é pequeno, por volta de 1 a 2%. “É uma cirurgia de grande porte, mas hoje a gente faz a cirurgia com uma segurança muito grande, diferente de como era no passado, quando a gente tinha riscos bem mais altos. A própria tecnologia da imagem, dos equipamentos e procedimentos utilizados melhoraram muito.”, explica o Dr. Cácio. “É muito mais perigoso a pessoa ser portadora de obesidade mórbida do que ser submetida à cirurgia. No passado, os riscos [da operação] eram muito maiores, mas isso, hoje, já passou”.
A fim de garantir que o procedimento seja totalmente seguro o cirurgião solicita uma série de exames e o paciente tem acompanhamento de diversos especialistas, como endocrinologista, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta clínico-geral e o cirurgião bariátrico, além do anestesista.
Muito menos dor
Com o avanço tecnológico, hoje, a cirurgia bariátrica ocorre por videolaparoscopia. São feitos pequenos cortes, com cerca de um centímetro, por onde o aparelho é introduzido no paciente e o médico controla os movimentos através de câmeras. “É muito menos invasivo e com muito menos dor do que era no passado”, revela o Dr. Cácio Wietzycoski. Ele, que realiza cirurgias desde 2012, chegou a fazer procedimentos abertos, em que eram realizados cortes com 10 a 20 centímetros no abdome do paciente, mas revela que esse já não é um procedimento usual.
Apesar dos cortes pequenos, essa é considerada uma cirurgia de grande porte, que exige cuidados antes e depois do da operação. Dois métodos, basicamente, são realizados, ambos de forma padronizada. Em um deles, é retirado um pedaço do estômago fora e, na outra, é cortado e grampeado o estômago, e feito um desvio do intestino. “O tipo de técnica utilizada depende de cada paciente”, afirma o cirurgião.
Caso ocorra tudo dentro da normalidade, hoje, o paciente pode receber alta em até dois dias após a operação. “A recuperação é muito mais rápida e com muito menos dor do que era no passado”, revela o cirurgião do aparelho digestivo.
Pré e pós-operatório exigem muita atenção
O pós-operatório em caso de cirurgias bariátricas é bastante conhecido. A dieta líquida, seguida da pastosa e, somente após, em média, dois meses, a ingestão de alimentos sólidos, assusta muita gente que pensa nesse tipo de procedimento. Mas o Dr. Cácio Wietzycoski garante que, em geral, esse não é um problema aos recém-operados. “Quem está operado não sente fome, porque a cirurgia tira a fome”. Ele atribui isso ao volume do estômago, que fica em torno de 50ml, tornando-se, na verdade, uma oportunidade de reeducar a alimentação.
Porém, para ter sucesso no procedimento cirúrgico, o cuidado inicia muito antes da mesa de operação. Na maioria das vezes, é preciso ocorrer uma mudança de hábitos por parte do paciente. O controler Cássio Brito praticava atividade física mesmo aos 170 quilos. Porém, quando chegou a esse peso, já não consegui correr os cinco quilômetros a que era habituado e tampouco praticar outras atividades sem algum tipo de sofrimento. “Eu comecei a ter problemas de autoestima, não conseguia fazer as coisas que fazia antes e foi desestimulando da academia, vem uma série de problemas junto”. Ele recorda que, até seus 35 anos, sofria com o famoso efeito sanfona. “Eu chegava a 130 quilos e baixava para 90 só com atividade física. Mas, ao menor descuido, já subia novamente”. Quando chegou aos 40 anos, o peso não baixava dos 104 quilos.
A opção pela bariátrica foi um processo cuidadosamente estudado, mesmo com todas as recomendações médicas. Isso porque, para realizar a cirurgia, o paciente precisaria passar por uma verdadeira mudança de vida, que ia além de perder alguns quilos e ter cuidados com a alimentação pós-operatória. “Foi um processo longo e eu atribuo isso ao estilo de vida que eu levava. O Dr. Cácio [Wietzycoski] tinha que se sentir seguro de que eu iria mudar o meu estilo de vida”, conta. “Eu só consegui fazer a cirurgia quando eu saí das duas universidades que eu lecionava, interrompi o meu mestrado e assumi outras atividades na empresa que davam a tranquilidade de ficar aqui no Brasil, sem precisar viajar muito”. Essas mudanças foram fundamentais para o controle da ansiedade e a melhora da qualidade do sono, além da reeducação alimentar que viria com o procedimento.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) indica que o paciente já inicie a prática de atividade física e reeducação alimentar antes da operação. “Entre os exercícios físicos, pequenas caminhadas diárias de cinco minutos, três vezes ao dia, ajudam a preparar o paciente”, aponta o órgão. Outros hábitos que possam contribuir para o ganho de peso também devem começar a ser alterados, como controle de ansiedade, tabagismo e introdução de hábitos saudáveis na rotina. Wietzycoski é ainda mais enfático nos cuidados pré e pós-operatórios. “Não adianta o cirurgião, o psicólogo, nutricionista e outros profissionais fazerem a sua parte, se o paciente não fizer a parte dele”.
Para Brito a mudança foi radical e ele acredita que não teria conseguido manter, hoje, na casa dos 100 quilos, se tivesse mantido o mesmo estilo de vida de antes. O paciente descreve o processo como de redescoberta. “Antes da cirurgia, mesmo nos momentos em que eu estava mais gordinho, eu me olhava no espelho e não me via obeso”. Só quando começou a perder medidas é que ele notou o quão fora do peso estava.
Um brinde à família
Um dos pilares do paciente com indicação de cirurgia bariátrica é a família. Dr. Cácio Wietzycoski ressalta que, sem esse apoio, é muito difícil a pessoa se reeducar e conseguir manter o peso após a operação.
Para Cássio Brito, o apoio foi fundamental e seu tratamento fez com que a esposa e filhos também mudassem de hábitos. “Quando eu comia três ou quatro sanduíches, meus filhos também acabavam comendo essa quantidade de sanduíches”.
Ainda durante a fase de dieta pastosa, em que as proteínas,carboidratos e fibras eram batidos no liquidificador, a atenção da esposa fez toda a diferença. “Aquilo ficava com um gosto horrível e eu comecei a enjoar. Minha esposa, então, teve a ideia de colocar cor. Ela batia com beterraba para ficar roxinho, batia com tomate para ficar vermelho. Então, dava uma sensação de estar tomando algo diferente”, relembra com carinho.
Com as mudanças nos hábitos de Brito, todos começaram a enxergar o alimento de acordo com suas propriedades. Isso, segundo ele, fez com que a sensação de gula fosse reduzida. E a família, que faz questão de valorizar os momentos à mesa, passou a encarar de forma diferente a relação com os alimentos. “Nós temos um ritual de, sempre que estamos à mesa, fazermos um brinde à família. Isso reflete o nosso prazer de estar junto. E estar junto é estar à mesa. De repente, você tem que olhar a mesa com outros olhos”, afirma. Para ele, sem o apoio familiar, seria muito mais complicado ter sucesso nesse processo.
Nova vida, novas oportunidades
A vida de Cássio Brito mudou completamente após a cirurgia. “Eu tive que mudar a minha alimentação. Meu sono mudou, passei a dormir um pouco mais. Eu tive que controlar a minha ansiedade”. O corticóide, utilizado para o controle da asma, deixou de ser usado imediatamente após a operação. Os remédios para a pressão também ficaram de lado por dois anos, tudo com acompanhamento profissional.
“Eu faço academia seis vezes por semana. Hoje não consigo correr por outros fatores, mas faço outras atividades”. A obesidade deixou sequelas. Três hérnias de disco da época sobrepeso e uma fissura no joelho só foram descobertas após Cássio emagrecer. Porém, mesmo assim, a relação com seu corpo mudou completamente. “Minha autoestima melhorou bastante. Eu troquei meu guarda-roupa”. E, se antes ele comia três Big Macs, mais batata e refrigerante com tranquilidade, hoje, a apreciação dos alimentos também é diferente. “Eu passei a experimentar mais as coisas. A sentir o sabor dos alimentos”.
Nesse processo, Cássio Brito perdeu o equivalente a uma pessoa adulta em peso. “Eu cheguei a pesar 80 quilos, mas me senti cadavérico. Então voltei a ganhar massa magra com a musculação e hoje estou na faixa de 100 quilos”, revela ele, satisfeito com o resultado. “Eu sinto que eu rejuvenesci”.
Perguntas e respostas sobre cirurgia bariátrica
O paciente pode engordar de novo após realizar o procedimento?
Sim. Se o paciente não mudar alguns hábitos, como uma alimentação saudável e a prática de exercícios físicos, poderá ocorrer reganho de peso.
Após realizar a cirurgia, o paciente terá que realizar cirurgia plástica?
Nem sempre. A necessidade de realizar cirurgia plástica após o procedimento deve ser avaliada caso a caso por uma equipe multidisciplinar.
Quem faz a redução de estômago não pode engravidar?
Isso é um mito. A mulher fica mais fértil e com chances de uma gravidez mais saudável após a cirurgia bariátrica. Entretanto, o recomendado é que a gravidez seja evitada antes de completar um ano e meio após a cirurgia até que ocorra a estabilização do peso.
Pode ser feita pelo SUS?
Sim. O paciente entra na fila de espera após o diagnóstico médico comprovando que necessita da cirurgia, somente então começa o preparo psicológico para a operação. A realização do procedimento, que pode demorar meses ou até anos, dependendo da região. Atualmente são realizadas aproximadamente menos de 100 mil cirurgias bariátricas por ano, sendo cerca de 10 mil pelo SUS.